29 novembro, 2005

Jogo : The Movies


Já devem ir para aí uns 20 anitos. Estavamos no fase final do apogeu do famoso ZX Spectrum (para incultos e jovens - o primeiro computador para as massas), quando eu e um amigo meu (também ex-director do CC Carbono), fizemos um jogo cujo objectivo era: fazer filmes! A coisa era bastante rudimentar: começava-se com x de dinheiro, escolhia-se um género, um realizador e os actores, fazia-se a rodagem (com possibilidade de alguns acidentes pelo caminho) e depois via-se o resultado na bilheteira e nos Óscares. Na altura eu percebia muito pouco de programação e tinha mais tendência para as artes, por isso eu fiz os gráficos e o meu amigo fez a programação. As formulas inventadas até não estavam nada mal, porque o resultado muitas vezes correspondia às expectativas. Curiosamente mais tarde eu dediquei-me à programação e o meu amigo não quis saber mais nem de matemática, nem dessas cenas dos computadores, acabando por tirar Direito. O jogo esteve quase a ser publicado pela CodeMasters (que ainda existe), mas acabou por ficar tudo em àguas de bacalhau.

É incrível que em 20 anos ninguém tenha tido a ideia de comercializar um jogo semelhante, dada a popularidade do mundo do cinema. Este The Movies da LionHeart de Peter Moulineaux (antigo chefe da saudosa Bullfrog e autor de clássicos como Populous e Syndicate), vem finalmente preencher a lacuna, mas digo desde já que não me enche as medidas.

Neste jogo somos responsáveis pela criação de um estúdio de cinema nos anos 20. Contratamos o pessoal (realizadores, argumentistas, actores, extras, crew, etc.), construímos as instalações (cenários, laboratórios, centros de desintoxicação e até clinicas de cirurgia plástica) e fazemos os filmes que depois são julgados pelos criticos e podem receber prémios. Até aqui estamos perante um jogo do tipo Sim (ou Theme à la Moulineaux) bastante normal. É nitida a tentativa de evoluir o género ao juntar a estes conceitos "batidos", uma personalidade às nossas estrelas. À medida que o tempo passa os nossos actores e realizadores ganham vicios (comida e bebida - drogas era capaz de ser forte demais), fazem birras, enfim são umas melgas incríveis. Apesar de ser uma nuance interessante o conceito é completamente roubado ao The Sims, e acaba por chatear mais do que aumentar o interesse do jogo.

Mais interessante é a possibilidade de participarmos activamente na realização do filme, escolhendo cenários, fatos, cenas e melhorando assim o guião feito pelos nossos argumentistas. Após a rodagem também podemos trabalhar a pós-produção. O resultado final pode ser exportado para um formato autónomo e distribuido a quem bem entendermos. No entanto, e apesar do valor de "novelty" desta opção, ela não impacta verdadeiramente no resultado do filme no universo do jogo, pelo que parece assim um pouco desgarrada.

Somando a tudo isto um nível de "micro-management" imprescindível (por exemplo se não decorarmos o estúdio com palmeiras e fontes e bancos de jardim, somos prejudicados em termos de notoriedade), o jogo acaba por entediar bastante depressa. Penso ser uma oportunidade desperdiçada para fazer um grande jogo, e Moulineaux, apesar da sua fama de visionário, não quis nitidamente arriscar, mantendo-se fiel às normas de mercado. Bastaria por exemplo utilizar actores e realizadores reais (ou caricaturas para evitar processos legais) para que o jogo se tornar muito mais divertido. Tenho a certeza que, com a experiência adquirida em 20 anos a jogar jogos de computador feitos por outras pessoas, eu e o meu amigo conseguiamos conceber bastante melhor.

27 novembro, 2005

Os meus livros de 2005

Mais uma vez sem qualquer ordem em especial.

Aruki Murakami - Kafka on the Shore

Um livro surreal que começa com duas histórias paralelas: a de um rapaz de 15 anos fugido de casa do pai e que anda à procura da sua mãe e irmã, e a de um veterano da II Guerra Mundial próximo do autismo, mas que consegue falar com gatos. Mistura fantasia e realidade de uma forma absolutamente brilhante, como se tivessemos a sonhar o sonho de outra pessoa e a torná-lo nosso. Tradução para Português a ser editada lá para o início do próximo ano.

Gonçalo M. Tavares - Jerusalém

Vencedor merecido dos prémios do P.E.N. Clube Português e José Saramago, este livro conta uma história sobre a loucura e a violência humana de forma pouco linear. Nitidamente inspirado em Kafka, prende o leitor da 1ª à última frase com a sua prosa poética, que nos leva inúmeras vezes a fazer uma pausa para reflexão. O prolifero Sr. Tavares ainda irá dar muito que falar...

Paul Auster - The Brooklyn Follies

Ver post mais abaixo...

Michel Houellebecq - La possibilité d'une île

Descobri Houellebecq há um par de anos e com apenas um trio de livros entrou directamente para a minha lista de autores favoritos. Este é o seu 4º livro, o mais ambicioso e provavelmente também o melhor. Nele é apresentada de forma genial a contradição da vida: a raça humana tem os dias contados e está há muito tempo em auto-destruição, por outro o amor faz com que a vida mereça ser vivida. Um livro verdadeiramente avassalador e que também já tem tradução para Português em curso.

Bret Easton Ellis - Lunar Park


Outro dos meus autores favoritos, que sigo religiosamente desde a sua estreia com Less Than Zero (Menos Que Zero), já lá vão 20 anos. Este vai directamente para o top dos seus livros. Começa por ser uma crítica viperina à distorção provocada pelos media às "celebridades", relatando a vida de sucesso de um tal de Bret Easton Ellis (sim, a personagem principal do livro é a imagem que os media fazem dele), e acaba numa história de fantasmas verdadeiramente arrepiante. Já tem edição Portuguesa pela Teorema.

Matt Ruff - Set This House in Order

O thriller mais original dos últimos tempos (esqueçam o Código). Depois de se dedicar à Ficção Científica com Sewer, Gas and Electric, Ruff escreve este livro sobre dois informáticos com multipla personalidade que é impossível de largar. Um espanto de invenção sem prejuizo da definição das (multiplas) personagens.


Ryu Murakami - In the Miso Soup

Mais um thriller (desta feita japonês) e que não é muito aconselhável a almas mais sensíveis... dado conter descrições basta horríveis. Kenji é um guia do turismo sexual de Tokyo que é contratado por Frank (um turista Americano gordo), durante o ano novo. As coisas complicam-se quando o comportamento estranho de Frank leva Kenji a suspeitar que este seja responsável por uma vaga de assassinatos a percorrer a cidade. Apesar de a descrição parecer banal, este livro está longe disso, levando os seus leitores a pensar sobre os males da vida moderna, e a diferença entre o bem e o mal.

Michael Marshall - Blood of Angels

Terceiro livro de uma série, sucede a The Straw Men e ao inferior The Lonely Dead, inventando um novo género que mistura os livros de psicopatas com as teorias da conspiração. Recomendei os três livros a um amigo que os devorou num instante e depois ficou com turkey porque já não havia mais. Espero que Marshall não fique por aqui...

25 novembro, 2005

Os meus discos de 2005

Com o aproximar do final do ano, toda a imprensa vai começar a compilar as suas listas do ano. Não tendo nada contra as listas em si, sempre achei um pouco confrangedor a repetição que se encontra de lista para lista. Até parece que toda a gente tem a mesma opinião sobre o que foi o melhor do ano, variando apenas a posição em cada uma das listas.

A minha lista não tem ordem, e tem discos que provavelmente não vão ver em mais lista nenhuma, seja porque não foram editados por estas bandas, ou porque eu tenho muito mau gosto.

Começando por uns discos que provavelmente vão ver em muitas listas do ano:


Arcade Fire - Funeral

Apesar de editado em 2004, só em 2005 é que chegou à Europa. Este foi sem dúvida o ano dos Arcade Fire. Enorme sucesso crítico, acompanhado por algum sucesso comercial, foi a "banda da moda" do ano, passando de ilustres desconhecidos, a colaborações ao vivo com David Bowie (que sempre esteve em cima do acontecimento). Para mim não é só um dos discos do ano. É o melhor 1º disco dos últimos 10 anos.


Antony and the Johnstons - I am a bird now

Esta escolha pode parecer algo óbvia dado que Antony já ganhou o Mercury Prize deste ano e deu dois concertos em Lisboa (aos quais infelizmente não consegui ir). No entanto não posso deixar de o incluir, pelos momentos de imenso prazer melancólico que a voz e interpretação desta pessoa me proporcionaram durante este ano. Um dos raros casos em que o hype é totalmente justificado.




Sufjan Stevens - Illinoise

Um autentico ovni, este segundo disco (dos 50 que Sufjan pretende fazer sobre cada um dos estados unidos) confirma o seu autor como um grande compositor, apesar da ambição desmesurada e de uma bela dose de loucura. De uma variedade tão grande - vai desde o folk ao rock, passando pelos grandes musicais e por música religiosa - que até se torna desconcertante, vem recheado de canções (21!) de arranjo complexo e melodias delicadas. Se fizer mais 48 discos como este Sufjan vai garantidamente entrar para a história.

E mais alguns discos que provavelmente não aparecerão nas outras listas:


Dionysos - Monsters in Love

A Inrockuptibles considera-os já há algum tempo a melhor banda francesa ao vivo, e pelo que pude ver do DVD que acompanha este disco (que suscitou a exclamação "Nick Cave on drugs!" de um grande amigo meu), dava tudo para os ver. Para quem não conheçe os Dionysos são mestres na arte do start-stop, ou seja, todas as canções deles têm partes calmas com melodias muito belas e partes de rock desenfrado em plena catarse. A coisa é verdadeiramente original, mas notam-se influências de Pixies, Screaming Jay Hawkins e até Danny Elfman (não sei porquê acho este disco muito próximo dos hambientes soturnos do Tim Burton). Pessoalmente acho este o melhor disco da carreira deles, e não consigo compreender como é que não têm mais projecção internacional. Afinal o que é que os tipos das editoras fazem pelos seus artistas?


Micah P Hinson and The Gospel of Progress - s/t

Mais um disco de 2004 que só chegou à Europa em 2005. Nascido no seio de uma família de fundamentalistas cristãos fanáticos, o pequeno Micah tornou-se a ovelha negra da família, virando-se para a música e para as drogas, passando algum tempo na prisão e tornando-se destituto antes de fazer os seus 20 anos. Basta ouvir a sua voz para se perceber que apesar da sua tenra idade, já passou por mais do que muitas pessoas de 40. Musicalmente as canções centram-se na guitarra acústica do autor, mas com o apoio dos mais variados instrumentos (piano, violoncelo, bateria, flauta, etc.). A produção é tão minimalista que parece que estamos a ouvir uma banda ao vivo. Até se houve o ranger do banco em que Hinson se senta. Um disco de música sofrida mas de uma beleza avassaladora.


Patrick Wolf - Wind in the Wires

Wolf começou a experimentar com a música aos 11 anos, misturando o violino (que terá aprendido desde criança), com os sons de um orgão electrónico. Entre o seu 1º album (Lycanthropy de 2003) e este, teve tempo para estudar composição clássica no conservatório. Este disco está assim recheado com canções essencialmente pop, arranjadas com a riqueza instrumental de uma sinfonia e sobrepostas com uma camada de estranhos ruídos electrónicos, aos quais se soma a excelente interpretação do artista e a beleza dos seus poemas. Provavelmente o disco mais original do ano, e com tamanha demonstração de talento, um caso a seguir...

Para terminar deixo-vos a minha lista de menções honrosas, ou seja, outros discos de que gostei muito e me fartei de ouvir durante o ano, mas que por um motivo ou outro não chegam ao escalão de obra prima:

... And You Will Know Us By The Trail of the Dead - Worlds Apart
American Music Club - Love Songs for Patriots
Buck 65 - Secret House Against the World
dEUS - Pocket Revolution
Doves - Some Cities
Elbow - Leaders of the Free World
Mickey 3D - Matador
Gorillaz - Demon Days
The Kills - No Wow
LCD Soundsystem - s/t
Martha Wainwright - s/t
Piano Magic - Disaffected
Queens of the Stone Age - Lullabies to Paralyze
Wolf Parade - Apologies to the Queen Mary
Yann Tiersen - Les Retrouvailles

Livro : Auster de volta a Brooklyn


Ainda ia eu a meio deste livro e senti uma tentação muito grande de colocar aqui uma crítica do tipo: "Vão à livraria, comprem, leiam, riam, chorem, vivam que vale a pena". Na realidade não tenho muito mais a acrescentar, e sempre senti que não tenho muito jeito para crítica literária (se calhar até nem tenho jeito para nenhuma). Indo mais longe até coloco um bocado em causa a utilidade da critica literária como é feita no nosso país, dado o número de críticas que leio em que fico sem perceber se o critico gostou ou não do livro.

Recomeçemos então pelo essencial: gostei muito deste livro. Se não tivesse de trabalhar, dormir, comer, etc. teria devorado o livro de uma só vez por ser tão viciante como o melhor dos thrillers. Ficou claro? Confesso ser suspeito porque Auster é um dos meus autores favoritos e acho que não há um único livro dele que não mereça ser lido. Este é um pouco atípico no sentido de que é mais leve do que o habitual, mas é uma leveza que funciona no bom sentido.

Não se pode propriamente dizer que este livro tenha "uma história". O narrador do livro é um tal de Nathan, 60 anos, recém divorciado e sobrevivente a um cancro de pulmão. Apesar de um passado nitidamente sofrido, resolve instalar-se em Brooklyn à espera da morte, e começa a viver a vida com o entusiasmo de um recém nascido. Pelo caminho re-encontra ou conheçe inúmeras pessoas cujas histórias nos são contadas.

Auster dedicou este livro à filha Sophie, e consigo com alguma facilidade imaginá-la a pedir ao pai para escrever algo menos escuro e mais próximo da joie de vivre demonstrada nos argumentos de Smoke e Blue in the Face (que já se passavam em Brooklyn). Esse objectivo é plenamente conseguido, o mundo não é apresentado como um conto de fadas, é muito complicado e cheio de dificuldades e perigos, mas são essas dificuldades que tornam mais fortes e melhores as personagens imperfeitas do livro.

Ainda não estando editado em Portugal (não devendo faltar muito, dado o sucesso do autor neste país), recomendo a toda a gente a leitura do original, até porque a linguagem de Auster é tão simples que se presta bem à iniciação à leitura em inglês.

Paul Auster - The Brooklyn Follies - Faber and Faber 2005 - ISBN 0-571-22497-0

18 novembro, 2005

Disco : Uma parada de lobos


Como podem ver estou em grande forma! Prolifero como sempre e a este ritmo vou com certeza conseguir entrar para o Guinness com o blog mais longo de sempre! Consegui fazer o meu 2º post antes de completar um ano sobre a sua concepção original! Mantendo este ritmo podem contar com o próximo lá para Outubro de 2006!!!

Venho por esta ocasião falar-vos de um disquinho tão novo que nem o devem conseguir encontrar nas lojas onde costumam ir... Trata-se do primeiro àlbum de um grupo de quatro rapazes de Montreal (Canadá) que se intitulam Wolf Parade. O disco por sua vez chama-se Apologies To The Queen Mary... e foi editado pela Sub-Pop.

Como deverão saber (ou talvez não), o Canadá está na moda em termos musicais. Desde que os Arcade Fire se tornaram conhecidos, só se houve falar em bandas de Montreal. Estes têm a particularidade de terem começado a fazer as primeiras partes dos concertos dos referidos Arcade Fire. Por outro lado o disco foi produzido por Issac Brock, guitarrista dos Modest Mouse. O som em termos genéricos é assim uma amalgama de Arcade Fire com Modest Mouse (se calhar até se podiam chamar Modest Fire), mas notam-se muitas mais influências desde new wave, aos Pixies, passando pelos Pavement. A coisa resulta num indie-rock de estilo festivo desencantado e com complexidade instrumental sub-produzida que, bastante longe de imediato, melhora com as audições até atingir o nível de viciante (em que se torna muito difícil ouvir outra coisa durante um mês). Levam um pequeno desconto na nota pela presença de alguma repetição pelo meio do àlbum, a qual pode ser apenas devida a uma escolha menos feliz do alinhamento. (4/5)