18 fevereiro, 2007

Filme : El Laberinto del Fauno

Já há algum tempo que sigo a carreira do Guillermo del Toro mas, apesar de sempre lhe reconhecer mérito em termos visuais, nenhum dos seus filmes se tinha verdadeiramente entranhado. Este Labirinto do Fauno, vem mudar isso tudo. Pegando nas temáticas já anteriormente focadas em El Espinazo del Diablo (o Franquismo, a infância e o fantástico), del Toro coloca-nos numa pequena vilória espanhola em 1944 numa altura em que, apesar da guerra civil estar terminada, os revolucionários ainda faziam resistência. Ofélia, uma menina de uns 12 anos, chega à vila acompanhada da mãe, grávida do filho do capitão que tem a cargo a região, e que reina sobre a mesma com uma crueldade absoluta. Apesar da realidade negra que a rodeia (ou se calhar devido à mesma), descobre um mundo de fantasia (por coincidência não menos negro), onde tem de provar ser uma princesa regressada após muito tempo ausente (o D. Sebastião lá do sítio).

Desengane-se quem pense, pelo resumo que fiz, que este é um filme para crianças, o filme é de uma brutalidade absolutamente siderante, a representar muito fielmente o pior da raça humana. Em termos técnicos o filme está muito próximo de perfeito. A cenografia visionária e os efeitos especiais funcionam melhor do que nunca, sem se sobreporem à realização. As interpretações são todas excelentes (principalmente a miúda - Ivana Baquero - e o capitão - Sergi López), e a realização propriamente dita está extremamente subtil e eficaz. Mas o que o filme tem de mais brilhante, é a forma como mistura a fantasia e o real de uma forma totalmente plausível, a tal ponto que me fez lembrar o enorme Brazil do Terry Gilliam. O filme estreia para a semana nos nossos cinemas, e aconselho todas as pessoas que não tenham medo da realidade a entrar neste labirinto... (4,5 / 5 )

14 fevereiro, 2007

Livro : Blind Willow, Sleeping Woman (Haruki Murakami)


Com certeza que os meus leitores habituais (se é que existem) se interrogaram porque é que deixei de escrever sobre livros mais ou menos obscuros e editados em países distantes... Olhando para o histórico deste blog, o último post sobre o tema respeitava à enchurrada de livros que li nas férias, o que quer dizer que já passaram uns bons 6 meses. A resposta a esta questão é a conjunção de uma série de factores... Primeiro li uma série de 2 ou 3 livros de que não gostei o suficiente para recomendar (entre eles o último do Paul Auster - Travels in the Scriptorium - o que foi uma grande desilusão dada a minha predilecção pelo autor), por outro lado ando com muito menos disponibilidade mental para ler (comecei a ir ao ginásio "a sério" o que me deixa cansado o tempo quase todo - não querendo de forma nenhuma sequer sugerir com esta afirmação que os desportistas profissionais são burros). Na realidade, o livro que vos trago hoje demorou 2 meses a ler, o que estraga completamente a fama que terei adquirido de devorador de livros.

Esta é uma recolha de contos escritos entre 1981 e 2005 por um daqueles senhores Japoneses de que gosto imenso. E para um periodo tão prolongado no tempo, é de estranhar que os contos sejam tão coesos. Quase todas as histórias são relativamente tristes, com personagens submersas pela solidão (algumas por vontade própria), mesmo quando acompanhadas. Murakami junta à mistura os seus temas favoritos: os acontecimentos inexplicáveis (o tal toque de fantástico que provoca por vezes a sua inclusão na corrente do realismo fantástico), as coincidências, o jazz vintage (de preferência em vinil), os pássaros e os gatos. Como qualquer livro de contos, os resultados não estão sempre ao mesmo nível (até porque é natural que se tenha respostas emocionais mais fortes a determinados temas do que outros), mas a fasquia está mesmo muito alta, e a grande maioria dos contos tem uma beleza triste que me emocionou. Mais um muitissimo recomendado, e que certamente será editado por cá em breve (o autor está a ser traduzido regularmente).

11 fevereiro, 2007

Concerto : NIN no Coliseu

Pois é... Ontem à noite consegui realizar um dos meus sonhos de concerto: ver os Nine Inch Nails ao vivo! Assim sem dar por ela, o primeiro álbum deste projecto de Trent Reznor já data de 1989, ou seja, os NIN estão-se a aproximar muito rapidamente dos 20 anos de idade, o que normalmente significa (para a maioria das bandas) a passagem automática ao estatuto de dinossauro... Isto implica que também estava quase à 20 anos à espera desta oportunidade, visto seguir fanaticamente a actividade deste senhor desde o 1º disco...

O concerto felizmente correspondeu às expectativas, sem ter sido propriamente uma experiência quase religiosa. O alinhamento estava muito bem escolhido a representar a totalidade da discografia, e a juntar aos obrigatórios (Hurt, Head Like a Hole, etc.) algumas surpresas como Last (do EP Broken) ou Burn (da edição de luxo de The Downward Spiral). Não houve infelizmente espaço para estrear músicas do novo disco a sair em Abril: Year Zero que teoricamente é um concept album de carácter mais politico do que o habitual... O som estava perfeito, a perceber-se perfeitamente o que o Reznor cantava, apesar do nível elevado de barulho da música, e as luzes minimalistas e sem qualquer projecção no fundo, mas a criarem imenso ambiente. A banda prova ser uma máquina muito bem oleada, com toda a gente a trabalhar para o mesmo objectivo: a perfeição sonora...

Ao fim de uma hora e vinte cinco minutos a banda saiu de palco e não voltou... O público por lá ficou, exasperado por mais, com as luzes da sala acesas e os roadies a desmontar o palco... Eu confesso também ter ficado algo desmoralizado, porque estava imensamente entusiasmado, mas fiquei depois a saber que os NIN nunca fazem encores... Desvantagens de se ver uma banda ao vivo pela 1ª vez. Esta noite e amanhã repetem a dose... Se ainda não tiverem bilhete pode ser que ainda se arranje...

04 fevereiro, 2007

Discos : Início de 2007 em GRANDE!

A julgar por esta primeira amostragem, o ano de 2007 vai ser um grande ano para a música. Todos estes discos são regressos em excelente forma, de alguns artistas recentes e de outros com carreiras já longas, saídos ou a sair no primeiro trimestre deste ano. Com tanta coisa boa para ouvir, dou por mim indeciso a maior parte do tempo...


Arcade Fire - Neon Bible

A tentação de ir directo ao assunto e à questão que assalta o espirito de todas as pessoas que foram enfeitiçadas pelo primeiro album destes senhores é muito grande. E a resposta é SIM, correspondeu às expectativas, e ainda estou para decidir se não as superou. Digamos que desde Domingo de manhã (quando esta coisa chegou ao meu PC dividido em números) que não ponho outra coisa a tocar no meu iPod... Mas começemos pela introdução para os (muito) distraídos...

Os Arcade Fire são um ajuntamento de 10 Canadianos com formação musical clássica, que se dedicam a fazer música "post-punk" (o que quer que isso queira dizer) recorrendo a uma variedade grande de instrumentos que normalmente não se encontram neste estilo musical. Em 2004 lançaram um disco chamado Funeral que foi unanimemente consagrado pela critica (pelo menos a que interessa), e que lhes angariou uma horda de seguidores capazes de trocar o familiar mais próximo pela possibilidade de os ver tocar ao vivo.

Este Neon Bible é assim o "difícil 2º àlbum", só que neste caso não tem nada de difícil, aliás até é mais acessível do que o 1º, mas sem sacrificar nada da beleza nem do sentido de estarmos perante algo verdadeiramente original. Instrumentalmente está discretamente ainda mais complexo, mas com menos tendência para a guitarra electrica. Os vocais de Win Butler estão mais claros (provavelmente pelo aumento de confiança proporcionado pelo sucesso) mas mantendo toda a honestidade de sentimentos. Denota-se uma influência clara do Springsteen de início de carreira em 3 ou 4 músicas, mas mantendo sempre a lógica da banda. Definitivamente o disco deste trimestre que toda a gente deve comprar, e que vai com certeza fazer correr por aí muita tinta. ( 5 / 5 )




The Good, The Bad & The Queen - S/T


Já li em tanto sítio a composição deste novo "Super-grupo" / projecto do Damon Albarn (aquele que tem fama de ser um gorila desfocado), que sinceramente não me vou dar ao trabalho. Até porque a composição ficou nitidamente toda a cargo do Albarn, sobressaindo dos restantes membros apenas o baixo do bacano que era dos Clash. A instrumentação dos restantes membros é tão discreta que está lá mais para efeitos de ambiente que outra coisa.

Estamos assim perante um disco que parece quase do Albarn a solo e que segue um pouco em continuidade, juntando aos momentos mais melancólicos dos Blur de 13 e Think Tank, os valores de produção dos discos dos Gorillaz (o Danger Mouse também produziu este, pelo que não é de estranhar). É no entanto provavelmente o disco mais consistente de toda a carreira do Albarn, com o seu tom desencantado e desiludido sobre a realidade actual (e pessoalmente é neste registo que os vocais dele melhor funcionam), brilhantemente acompanhado por música muito atmosférica e perfeita para dias cinzentos. Apesar de muito bom, gostaria de ver Albarn a ser um pouco mais arrojado, nem que o fosse pontualmente, a partir alguma mobilia e a fazer coisas mais diferentes. ( 4 / 5 )


Grinderman - S/T

Falando em partir a mobilia, este novo projecto do Nick Cave, começa da melhor forma a quebrar todas as regras com duas faixas (Get It On e No Pussy Blues) de um humor àcido corrosivo, com instrumentação brilhantemente minimalista mas bastante dissonante, a fazer lembrar mais o material dos Birthday Party dos que os trabalhos mais recentes. Representa-se assim da melhor forma o funeral dos Bad Seeds (a saída do Blixa Bargeld tem com certeza qualquer coisa a ver com isso), e o nascimento deste novo projecto em que Cave é acompanhado - de igual para igual - pelos ex-Seeds Martyn Casey, Warren Ellis e Jim Sclavunos.

O resto do disco, não deixando de ser maioritariamente brilhante (como Cave sempre nos habituou), não chega ao mesmo nível de fúria do início, ficando por isso mais próximo do habitual, apesar de instrumentalmente mais fechado. Seja como for, Cave continua a fazer discos extraordinários (é por isso que faço sempre a primeira audição com um entusiasmo fervoroso), e acho que deveriam tratar de o canonizar com urgência. Afinal de contas Saint Nick Cave ainda ficaria mais biblico... ( 4,5 / 5 )


LCD Soundsystem - Sound of Silver

O disco de estreia da banda de James Murphy em 2005, foi uma pequena revolução, com a sua filosofia de música de dança tocada com instrumentos reais, os vocais anasalados e cheios de humor e o seu célebre cowbell a marcar compasso... O sucesso critico foi grande e penso que o comercial também não terá sido nada mau. Murphy tinha assim um grande peso sobre os ombros para este segundo disco. Vamos lá a ver o que daqui saiu...

Existindo uma clara aposta na continuidade, este Sound of Silver tem um tom um pouco mais retro, com menos guitarra eléctrica, e com influências ainda mais nitidas. Arranca com o maravilhoso Get Innocuous! que começa a soar a Kraftwerk, e que evolui para uma sonoridade muito próximo dos discos que o Bowie fez com o Eno em Berlim, e termina com New York, I Love You (But You're Bringing Me Down) a fazer lembrar aquelas baladas deprimentes e sarcásticas que o Lou Reed fazia nos anos 70. Pelo meio não há nenhuma faixa que se possa considerar fraca, apesar de se acusar alguma repetição de ideias em Us V Them e Watch the Tapes. Murphy continua assim a fazer música que me dá boa disposição, e enquanto isso acontecer eu continuo a comprar... ( 4 / 5 )


!!! - Myth Takes

Também os Chk, Chk, Chk fazem o seu 2º round (que na realidade é o 3º) refinando a matéria anteriormente dada. Mantém a linha dance punk anteriormente utilizada mas, utilizando algo que só pode ser um truque de magia, simplificam a sonoridade por forma a tornar o som menos confuso, apesar de instrumentalmente ser mais complexo. O disco está cheio de momentos maravilhosamente mind-bending que não me deixam ficar parado, entre os quais se destacam Must Be the Moon, Heart of Hearts e Yadnus. Não se pode dizer que seja propriamente acessível, é daqueles que precisa de umas quantas audições para "entrar", mas as recompensas para quem fizer o esforço são muito agradáveis.

Nota ainda para a visita a palcos Portugueses marcada para os dias 4 (Porto) e 5 de Abril (Lisboa) porque a julgar pelos discos e por passagens festivaleiras anteriores, estes 8 moços em palco devem fazer uma bela festa... Eu vou lá estar ( 4,5 / 5 )


Patrick Wolf - The Magic Position

O miúdo prodigio que já nos tinha trazido os excelentes Licanthropy e Wind in the Wires (um dos meus discos de 2005), também consegue não desapontar com este seu novo disco. Um dos pontos mais inovadores da música deste moço é a junção que faz de chamber pop com toda a espécie de ruídos e ritmos electrónicos o que, somado a uma excelente voz e interpretação, resolta numa sonoridade muito própria.

Neste Magic Position as facetas electrónica e chamber estão um pouco mais discretas, sendo um disco bastante mais pop. Mas começa com 3 faixas fabulosas (Overture, Magic Position e Accident and Emergency) que nos fazem imediatamente perdoar a "nova orientação". Pelo resto do àlbum encontram-se mais umas quantas perolas, com destaque para o belíssimo dueto com Marianne Faithfull intitulado Magpie. Se os discos anteriores passaram muito discretamente pela critica, parece-me que o mesmo já não acontecerá com este, que vem confirmar indubitavelmente o talento e a capacidade de evolução do seu autor. ( 4,5 / 5 )


Kristin Hersh - Learn to Sing Like a Star

Ainda há dias proferia, quando da minha recomendação do Live it Out dos Metric, a minha admiração pelo equilíbrio entre pop e agressão que os Throwing Muses conseguiam fazer no início dos anos 90. A nostalgia por esses tempos era grande, e tanto a obra mais recente da Tanya Donelly (cujo This Hungry Life também deve ter edição por agora), como da Kristin Hersh (com o power trio 50 Foot Wave), apesar de interessantes não conseguiam preencher o vazio. Se me dissessem que Kristin ia fazer um album tão bom (se não ainda melhor) como a época de ouro dos TM, eu diria que estavam a brincar comigo.

Mas este disco é isso mesmo, uma mescla perfeita de pop, folk e rock, servido com a voz amarga e única a que nos habituou e que parece só melhorar com os anos. Em termos de composição também se nota uma imensa evolução para texturas menos previsíveis, e é daqueles discos muito bem produzidos em que se ouve todos os intrumentos de forma distinta, sem que isso se torne obstrutivo para o prazer da audição. Mais um a não perder... ( 4,5 / 5 )