13 maio, 2007

Disco : Thee More Shallows - Book of Bad Breaks


Sendo um trio originário de San Francisco, estes Thee More Shallows são responsáveis por um dos melhores e mais belos discos que ninguém ouviu: More Deep Cuts de 2005. Um épico segundo álbum que demorou 3 anos a gravar e em que a atenção ao detalhe enriquecedor das canções era uma constante. Já lhes tentaram colar muitas etiquetas: prog-indie, indie-rock, indie electronic, chamber rock, mas na realidade todas são bastantes redutoras face à mistura de rock / clássica / electrónica / folk que caracteriza o som bastante original da banda.

Neste 3º disco é nítida a procura de caminhos mais experimentais para as suas músicas, com a introdução de mais efeitos electrónicos e mais guitarra distorcida, bem como uma maior flexibilização da estrutura da canção. No entanto esta procura tanto obtém efeitos absolutamente geniais, como a faixa Int. 1 que antecede Proud Turkeys em que um belo trecho de cordas se decompõe digitalmente para dar lugar a guitarras bem distorcidas, como em outros momentos acaba por servir apenas para roubar alguma da beleza das canções. Mesmo assim, quando a mistura funciona, os resultados são brilhantes, como se pode ouvir em Night At The Knight School.

Não será um disco imediatamente acessível, mas também não é estranho ao ponto de assustar às primeiras audições, despertando a curiosidade para uma audição continuada. Essa audição revela um disco que, não sendo um trabalho de excepção, vale bem a pena ouvir. ( 4 / 5 )

07 maio, 2007

Disco : ADULT. - Why Bother?

Estes ADULT. são o produto do casal Nicola Kuperus e Adam Lee Miller, residentes algures na região de Michigan. Mas desengane-se quem tenha imagens de uma rapariga bucólica de voz angelical e delicadamente acompanhada pela guitarra acústica do marido, porque este casal vai para o lado oposto do espectro. Não sei o que este disco diz em relação à sua vida de casal, mas as duas hipóteses que vêm à cabeça é que ou utilizam a música que fazem como forma de exorcizar os seus fantasmas, ou devem viver uma vida completamente desregrada e de agressividade mútua. Mas essas considerações de nada interessam para esta análise.

A música que fazem é uma mistura de Electro-Punk, com alguns pózinhos de industrial, e uma tendência para o experimentalismo vanguardista, e trás à memória uns quantos nomes do pós-punk dos anos 80, nomeadamente Bauhaus, Siouxsie & the Banshees, ou mesmo os New Order (principalmente patentes no baixo planante de alguns temas). A atmosfera que se desprende do disco é pesada e mal sã, carregada do mais escuro dos humores negros (sendo prova disso o video de I Feel Worse When I'm With You em que o alegre casal se tenta matar mutuamente e pessoalmente inúmeras vezes) e presta-se claramente à catarse dançante. Instrumentalmente são os sintetizadores que reinam, com batidas fortes preenchidas com ruídos estranhos, e a presença ocasional de uma guitarra distorcida, ou do tal baixo planante que referia acima.

Longe de ser um disco genial, contém 3 excelentes exemplos de terrorismo sónico como não ouvia há muito (o já referido I Feel Worse..., Inclined to Vomit e Plagued by Fear), é bastante divertido (de uma forma algo doentia), mas saí algo prejudicado pelas faixas instrumentais mais experimentais que honestamente não me convencem. Mas não se deixem impressionar, o melhor que têm fazer é emprestar os vossos ouvidos a este "simpático" casal... ( 4 / 5 )

Colaboração : Coquetel Molotov


Fui recentemente convidado para contribuir com umas criticas para uma revista Brasileira de música chamada Coquetel Molotov. É uma coisa que parece pequenina, mas nitidamente feita com muito amor por pessoas que gostam realmente de música, e que a gostam de partilhar de forma entusiasta com os outros (um pouco à semelhança do que tento fazer por aqui), sem ligar a pressões comerciais ou de modas... A revista é gratuita, não tem publicidade, e vê a luz do dia trimestralmente na cidade do Recife. O último número está integralmente disponível em formato pdf no site, pelo que os mais curiosos de entre vós poderão deleitar a vista pelo design arrojado e moderno da coisa...

Eu nem hesitei em aceitar o convite, e por isso não se admirem se nos próximos dias proliferarem por aqui criticas a discos bastante alienigenas, como é meu costume apresentar ocasionalmente.

01 maio, 2007

Filme : Inland Empire

Começo com dois avisos: a) se só gostam de filmes lineares, em que se percebe tudo o que se passa e em que os bons ganham no fim, estão dispensados de ler este post e de ver o filme; b) sou completamente fanático do David Lynch de há longos anos para cá e por isso a minha opinião poderá estar completamente distorcida.

Não sendo possível fazer uma sinopse de um filme que na realidade não tem uma história (no sentido clássico do termo), digamos que estamos perante a vida de uma actriz a rodar um filme amaldiçoado e que, ao começar a apaixonar-se pela estrela masculina, entra num mundo de pesadelo. Basicamente, a parte "linear" do filme ocupa a sua primeira hora, as duas horas restantes, vêm directamente do subconsciente do Lynch para assombrar o nosso.

Este é portanto o filme mais experimental do homem desde o seu início de carreira há 30 anos com Eraserhead (e ainda sinto frio na nuca quando penso nesse filme e me lembro dos pesadelos que me deu). Também representa a sua estreia em vídeo digital, e é nítido o prazer que Lynch tirou do suporte, ao permitir-lhe filmar com luz mínima e fazer maravilhas em termos de textura na criação dos ambientes sombrios que lhe são habituais. Depois, tanto as personagens como as interpretações são uma verdadeira delícia, com óbvio destaque para a Laura Dern num dos papeis mais virtuosos que me lembro de ver em toda a história do cinema.

Não consigo imaginar outro realizador que seria capaz de nos dar 3 horas de filme, tão incompreensível como hipnótico e belo, e conseguindo de alguma forma chegar a um sentido de encerramento dos círculos em que nos fez andar durante o filme, verificando-se que toda a plateia saiu da sala com um enorme sorriso nos lábios. Mais do que um filme, isto é uma experiência de vida que vem comprovar mais uma vez que Lynch continua muito (mas mesmo muito) à frente do resto dos realizadores actuais. ( 5 / 5 )