31 janeiro, 2006

Filme : Naboer (Next Door)

Juro que não ando a fazer de propósito para fazer posts aos pares, mas a realidade é que acabo de ver mais um filme europeu esquisito que tenho de recomendar! Desta feita é Norueguês, e realizado por um sr. com o nome de Pal Sletaune (e viva os nomes impronunciáveis de volta!).

John, um tipo normalissímo à volta dos 30 anos, acaba de ser abandonado pela namorada. Pouco depois da ex ir buscar as suas coisas lá a casa, é contactado pelas vizinhas, jeitosas (ver poster) mas nitidamente a jogar sem um baralho completo (ver melhor o poster), para as ajudar a arrastar um móvel. E aí entra num mundo de jogos e fantasias muito pouco saudável...

Estamos perante um thriller psicológico extremamente eficaz, a fazer lembrar um pouco a claustrofobia da época dourada de Polanski (principalmente O Inquilino), mas também com o seu toque Lynchiano na cenografia (não sei porquê passo a vida a ver este tipo em todos os filmes que gosto ;-), e ainda com a sexualidade doentia do Cronemberg (mais para o Crash). Com tanto name dropping devem-se interrogar o que isto tem de original, ao que devo responder que tem muito pouco, mas felizmente é suficientemente curto para não cansar (75 min.), e deverá divertir subejamente pessoas com problemas mentais (ou pretenções a isso) como eu. (4 / 5)

Filme : Calvaire

Primeira longa-metragem de um jovem e prometedor realizador belga de seu nome Fabrice Du Welz, este Calvaire conta-nos a história de Marc Stevens, cantor pimba de 3ª categoria, a viver à custa de actuações em lares da terceira idade. Certo dia perto do Natal e entre duas actuações, tem uma avaria na sua carrinha algures nos bosques da Bélgica o que o obriga a pernoitar no albergue do senhor Bartel, pensando que no dia seguinte conseguirá arranjar um mecânico para tratar da carrinha e seguir caminho. No entanto não é esse o destino que lhe está reservado, dado que o senhor Bartel é apenas a ponta de uma aldeia em que todos os habitantes são homens inbread e completamente loucos. Digamos apenas que o título reflecte muito bem o que depois se passa.

Não sendo propriamente um filme de terror, Calvaire é mais um thriller feito com o feeling de um filme artistico europeu, mas com cenas verdadeiramente arrepiantes, pelo que as pessoas mais sensíveis é melhor absterem-se. A cinematografia granulada e monocromática de Benoît Debie (já responsável pelo Irréversible de Gaspar Noé) é fabulosa, as interpretações são boas e a realização é eficiente e contida, deixando muito à imaginação do espectador.

Mas não fiquem a pensar que tudo é desagradável e cinzento neste filme, a primeira parte tem momentos de comédia negra na interacção entre as duas personagens principais, e lá para o meio existe uma cena no bar da vilória que é absolutamente genial, e a fazer lembrar um Lynch na sua faceta mais esquisita. Definitivamente a não perder por todos os apreciadores de filmes de culto e "fantásticos" (no sentido muito lato do termo). (4 / 5)

28 janeiro, 2006

Disco : Beth Orton - Comfort of Strangers

Descobri a Beth Orton, como provavelmente muito mais gente, no 2º albúm dos Chemical Brothers (Dig Your Own Hole) na faixa Where Do I Begin, que é capaz de ser para mim o momento mais alto da carreira deles. Ignorava na altura que já tinha um album a solo (Trailer Park de 1996) e já estava a trabalhar no 2º (Central Reservation de 1999). Estes dois albums misturavam de forma bastante original a electrónica com estilos mais "clássicos" como o folk, e a soul, e foram unanimemente celebrados pela crítica. Em 2002 editou ainda Daybreaker, autêntico despiste numa carreira até aí exemplar, principalmente devido a uma produção charoposa a aproximar do comercialão.

Para este Comfort of Strangers, Orton optou por voltar à simplicidade e abandonar as electrónicas. Recrutou Jim O'Rourke (Sonic Youth, Wilco, Stereolab, etc.) para a produção e para tocar baixo, piano e marimba, e também Tim Barnes para a bateria. Ela própria toca guitarra, piano e harmónica, e escreveu todas as canções (apenas a faixa título teve colaboração de O'Rourke e M. Ward). Segundo a própria cantautora o disco é "folk-gospel-soul com uma lágrima de country a escorrer pela cara", o que me parece uma excelente definição, dada a dificuldade que tive em classificar o mesmo. A produção minimalista, não só realça a voz e interpretação extraordinária da moça, como confere ao disco um som sem qualquer limite temporal, dando a sensação que tanto pode ter sido gravado ontem como à 20 ou 30 anos atrás.

Concluindo, um disco excelente para acompanhar os dias frios (que têm sido muitos ultimamente), e que me faz sentir confortável, como se estivesse a vestir uma camisola bem quentinha. Um grande regresso à forma que poderão encontrar à venda a partir de 7 de Fevereiro. (4 / 5)

17 janeiro, 2006

Filme : Sympathy for Lady Vengeance

Esta é a terceira parte da "Trilogia da Vingança" de Park Chan-wook, realizador coreano "da moda" que, depois de ganhar a Palma de Ouro em Cannes no ano passado, passa a vida a ser comparado ao Tarantino pela "imprensa especializada". Eu adorei os dois filmes anteriores: Sympathy for Mr. Vengeance e Old Boy, e as minhas expectativas para este eram muito elevadas. As boas notícias são que este fecha o tema com chave de ouro, sendo provavelmente o meu favorito. Mr. Vengeance tinha tanta desgraça atrás de desgraça que se tornava pouco credível e Old Boy era um pouco calculista na sua forma de ser chocante, mas este, apesar de mais linear, consegue um equilibrio entre o estilo e o impacto emocional que para mim funcionam na perfeição. Curiosamente Chan-wook não tinha pensado em fazer qualquer trilogia, foi apenas quando lhe criticaram a semelhança temática entre Mr. Vengeance e Old Boy que este decidiu (por vingança) fazer mais um...

A senhora vingança do título é uma rapariga chamada Lee Geum-ja - interpretada por Lee Young-ae (estes nomes são do melhor ;-) - que após passar 13 anos na prisão pelo assassinato de uma criança que não cometeu, se vê em liberdade com um plano ambicioso para a sua vingança. Na primeira parte é-nos apresentada a personagem pelos olhos das suas "colegas" de prisão numa montagem brilhante de pontos de vista diversos. A segunda parte é mais linear, mas é onde o filme atinge o seu apógeu emocional, pondo-nos a reflectir muito seriamente sobre o que fariamos perante a situação apresentada.

Em termos técnicos está tudo muito próximo de perfeito: estéticamente o filme consegue ser duma beleza avassaladora, as interpretações são todas muito credíveis, enfim, não tenho absolutamente nenhum defeito a apontar...

Tanto quanto tenho conhecimento, o filme não tem estreia marcada para a nossa pátria, não sendo infelizmente de excluir a possibilidade de nem sequer estrear, tanto mais que a 1ª parte da trilogia, ainda anda por aparecer... (4 1/2 / 5)

12 janeiro, 2006

BD : Shaolin Cowboy

Para continuar numa veia de BD cinéfila, venho-vos apresentar este Shaolin Cowboy. Escrito e desenhado pelo enorme Geof Darrow - cuja arte é principalmente conhecida por dois livros escritos por Frank Miller (Hard Boiled e Big Guy and Rusty the Boy Robot) - e publicado bimestralmente pela Burlyman Entertainment dos Irmãos Wachowski. Darrow esteve afastado da BD durante muito tempo, porque esteve a trabalhar em cinema (foi um dos designers da trilogia Matrix dos referidos Wachowski), mas este regresso está cheio de força...

O Shaolin Cowboy é o sr. gordinho de ar muito simpático que podem ver na imagem em cima, é homem de poucas palavras e pode normalmente ser visto montado no seu burro, de seu nome Lord Evelyn Dunkirk Winniferd Esquire the Third, que para compensar é extremamente fluente em Inglês. O seu passado é extremamente misterioso, sabemos apenas que foi violentamente despejado de um templo Shaolin e que as suas aventuras desde então lhe têm trazido inúmeros e poderosos inimigos, inimigos esses que lhe puseram a cabeça a prémio. Só que como o nosso herói é um especialista em artes marciais, esses inimigos vão ter muita dificuldade em lhe limpar o sebo, mesmo que ataquem todos ao mesmo tempo como se viu no início da série.

A coisa não tem propriamente "um argumento" no sentido tradicional do termo, é antes uma sequência de combates, em que o burro e os inimigos dizem uma catrefada de disparates filosóficos, e em que a violência impera num estilo não muito distante do do Sr. Tarantino. A arte de Darrow é tão detalhada como de costume, com todas as pedras que existem no deserto desenhadas e centenas de personagens por painel, e os litros de sangue e membros decepados habituais. Para quem não conheçe, tentem imaginar um Onde Está o Wally para doentes psiquiátricos graves e não estarão muito longe da realidade.

Recebi e li há dias o nº 4, sendo que até agora o ponto mais alto foi o nº 2 com a vingança do King Crab, um caranguejo Shakespeareano a quem o SC comeu a totalidade da familia num rodízio de marisco... Foi nomeado para 3 prémios Eisner em 2005, mas não ganhou nenhum como a capa deste último opus refere ("2005 Eisner Award Loser"). Enfim, humor britânico com violência americana definitivamente a não perder a quem tais coisas possam divertir...

09 janeiro, 2006

BD : The Fountain

Darren Aronofsky, de quem esta é a estreia em BD, tornou-se em apenas dois filmes (Pi de 1998 e Requiem for a Dream de 2000) num dos meus realizadores favoritos. É lógico que uma carreira tão curta não permite garantir que conseguirá manter o nível, mas comparações a David Lynch e Stanley Kubrick são uma constante por parte da imprensa... Infelizmente Aronofsky tem tido bastante azar com a mudança de século, esteve indicado como realizador para projectos de grande projecção como Batman Begins ou The Watchmen, mas sem conseguir o trabalho (provavelmente por falta de coragem das majors donas dos projectos), tentou fazer este The Fountain com Brad Pitt e Cate Blanchett, mas alguns desentendimentos com Pitt fizeram com que este desisti-se do projecto para filmar o Tróia, tendo o estúdio fechado de imediato a produção. Foi então que decidiu "ofereçer" o guião à Vertigo (o excelente inprint de temática adulta da DC Comics), tendo sido sugerido Kent Williams para a adaptação. À medida que as primeiras páginas de Williams começaram a surgir, Aronofsky apercebeu-se que o projecto era bom demais para ser abandonado e re-escreveu o guião por forma a que este fosse realizável por menos dinheiro. Poderemos assim ver a versão cinematográfica (agora com Hugh Jackman e Rachel Weisz) ainda este ano ou no início do próximo, mas o autor deixa claro que estamos perante duas interpretações muito diferentes da mesma história.

O livro é composto por 3 histórias paralelas e passadas em 3 tempos diferentes (conquista espanhola, tempos actuais e futuro) em que Thomas - a mesma personagem principal - tenta salvar a vida da mulher que ama. Não querendo levantar mais o véu digamos que estamos perante uma reflexão sobre o amor, a morte e a forma de a encarar.

Kent Williams é um daqueles artistas (juntamente com Dave McKean ou Bill Sienkiewicz)
que está mais próximo da pintura do que da banda desenhada tradicional, responsável por outras obras de enorme qualidade gráfica como Tell Me Dark, ou Blood: A Tale. As 166 páginas deste volume (com técnicas diversas) deixam a sua arte respirar e reinventar-se de uma forma espantosa e com enorme dinâmica.

Este The Fountain é assim uma obra profunda e sumarenta, que vale a pena descobrir. O que poderá não ser fácil: a única edição actualmente disponível é em oversized hardcover e custa 40 USD. Se por acaso alguma das nossas lojas da especialidade arriscar na compra de stock, será coisa para custar pelo menos 50 Euros e não acredito que seja viável uma edição nacional dada a extensão da obra. Os mais impacientes poderão sempre mandar vir pela internet, ou esperar uns seis meses pela edição mais económica em paperback. Eu por mim fico impaciente à espera do filme...

08 janeiro, 2006

Filme : Corpse Bride

Há quem diga que as promessas são para ser quebradas. Não sendo um verdadeiro adepto dessa filosofia de vida, vejo-me obrigado a renunciar à promessa que fiz no passado dia 16/12/2005 de não mais escrever sobre filmes para menores de 18. Mas o facto é que hoje fui ao cinema ver este filme (para maiores de 12) e não posso deixar de bradar aos céus (e a quem os ocupe) sobre a felicidade que estes 76 minutos me trouxeram.

Mais uma vez sou extremamente suspeito dado o filme de animação anterior de Tim Burton - A Nightmare Before Christmas (O Estranho Mundo de Jack para Portugas puristas) - ser o meu filme de animação favorito de sempre e ao mesmo tempo ser o filme que já vi mais vezes. Penso que estou um bocado longe de ser original por este facto mas, mais uma vez, não posso deixar de o dizer.

Corpse Bride baseia-se numa lenda tradicional russa, em que um rapaz vivo se casa com uma rapariga morta. Mas a história está longe de ser o mais importante, porque Burton poderia pegar no romance de cordel mais banal do mundo e torná-lo num filme genial, tal é a originalidade da sua visão. O mundo dos vivos é um bocado chato e cinzento, mas a terra dos mortos está cheia de cor e movimento e música, e é aqui que Burton nos bombardeia com ideias e pormenores divertidos.

A qualidade da animação é absolutamente fabulosa - é tão perfeita (principalmente ao nível das expressões faciais) que até custa a crer que é stop motion. O design das personagens e as suas vozes também é excelente. Está recheado de homenagens ao cinema como o verme com cara (e voz) de Peter Lorre, ou o piano de marca Harryhausen. Os diálogos estão tão cheios de trocadilhos que tenho a sensação de ter perdido a metade... Um nitido trabalho de amor, com atenção diabólica ao detalhe, e com um resultado perfeito.

Não é no entanto suficiente para destronar o Nightmare do trono, por três motivos principais: não é tão variado (o filme baseia-se em dois ambientes apenas), é um bocado mais clássico em termos de enquadramentos e design, e a música de Danny Elfman também está um bocadinho inferior.

Resumindo, um filme a não perder no cinema, para depois se comprar o DVD e rever umas 500 vezes... Espero que os próximos 13 anos passem depressa para ver o próximo... (4 1/2 / 5)

05 janeiro, 2006

O verdadeiro iPod Killer!


Entrando um pouco no terreno predadorial do meu amigo Xá-das-Cinco (ver link no sai-de-bar), e após uma tip do meu amigo Abilouco, venho apresentar o Sony Reader. Este pequeno dispositivo (tem o tamanho de um livro de bolso, mas consideravelmente mais fino e mais leve), que foi apresentado ontem na CES, vem fazer pela leitura o que o iPod fez pela música. O ecrã inovador vem ao encontro da facilidade da leitura, sem backlights nem brilhos para dar dores de cabeça. Tem capacidade para armazenar "centenas" de livros e uma bateria que dura uma eternidade (7500 páginas, segundo o Marketing). Para além de livros comprados electrónicamente na loja da Sony, poderão ainda incluir documentos .pdf, sincronizar blogs, enfim, basicamente qualquer coisa que queiram ler.

Parece que finalmente alguém percebeu que o que fez o sucesso do iPod não foram caracteristicas técnicas, nem design, mas sim a experiência integrada e simplificada de apreciar música. Se a Sony não estragar tudo com os formatos proprietários de que tanto gosta, e cumprir com as promessas feitas, tem todas as condições para ter um enorme sucesso e superar as dificuldades financeiras com que tem vivido. Onde é que eu compro o meu?




P.S. - Soube agora (6/1/2006) que esta coisa vai estar à venda na Primavera nos EUA, e que custará entre os 300 e 400 USD... Acho que estão a abusar um bocado no preço... e o meu entusiasmo a esmorecer...

01 janeiro, 2006

Livro : Haunted


Para a maioria das pessoas, Palahniuk é apenas o escritor de Fight Club, dado a conhecer ao grande público pela mão de David Fincher na sua adaptação a celuloide... No entanto tem publicado praticamente um livro por ano desde esse primeiro: Invisible Monsters, Survivor, Choke, Lullaby e Diary são todos sátiras à vida moderna, com humor muito negro frequentemente a raiar o limite do mau gosto, e que se tornaram sucessos de culto quase instantâneos. Pessoalmente tenho acompanhado as obras do autor com algum interesse, apesar de nos dois últimos já se notar alguma repetição temática. Nitidamente o autor interessa-se mais pelo estilo e pela estrutura do que com a história que tem a contar, nunca deixando de ser pontualmente brilhante em cada obra.

Com este Haunted, Palahniuk vem alterar um pouco o seu status quo, lançando uma colecção de histórias curtas com um fio condutor a uni-las. Um conjunto de 16 pessoas é levada para uma "localização misteriosa" durante 3 meses para escrever a sua obra-prima (uma sátira clara aos reality shows cada vez mais absurdos). Cada história curta é assim escrita pelas personagens que residem na casa, focando normalmente o seu passado e a motivação para o afastamento durante 3 meses. Entre cada história são feitos pequenos interlúdios sobre o que se passa na casa e como seria de esperar as coisas não correm bem como previsto.

É precisa uma dose decente de masoquismo para ler Haunted. Não só pela total ausência de esperança (todas as personagens são notórias pela sua falta de humanidade), como pelo carácter visual de algumas descrições (é preciso bastante estômago para as descrições de auto-mutilação, canibalismo, degradação e decomposição que vão aparecendo em crescendo ao longo do livro). Sem dúvida o livro mais doentio do autor e definitivamente apenas a experimentar pelas pessoas que gostem de obras deprimentes... e isto apesar de no final tudo fazer sentido.