Começo com dois avisos: a) se só gostam de filmes lineares, em que se percebe tudo o que se passa e em que os bons ganham no fim, estão dispensados de ler este post e de ver o filme; b) sou completamente fanático do David Lynch de há longos anos para cá e por isso a minha opinião poderá estar completamente distorcida.
Não sendo possível fazer uma sinopse de um filme que na realidade não tem uma história (no sentido clássico do termo), digamos que estamos perante a vida de uma actriz a rodar um filme amaldiçoado e que, ao começar a apaixonar-se pela estrela masculina, entra num mundo de pesadelo. Basicamente, a parte "linear" do filme ocupa a sua primeira hora, as duas horas restantes, vêm directamente do subconsciente do Lynch para assombrar o nosso.
Este é portanto o filme mais experimental do homem desde o seu início de carreira há 30 anos com Eraserhead (e ainda sinto frio na nuca quando penso nesse filme e me lembro dos pesadelos que me deu). Também representa a sua estreia em vídeo digital, e é nítido o prazer que Lynch tirou do suporte, ao permitir-lhe filmar com luz mínima e fazer maravilhas em termos de textura na criação dos ambientes sombrios que lhe são habituais. Depois, tanto as personagens como as interpretações são uma verdadeira delícia, com óbvio destaque para a Laura Dern num dos papeis mais virtuosos que me lembro de ver em toda a história do cinema.
Não consigo imaginar outro realizador que seria capaz de nos dar 3 horas de filme, tão incompreensível como hipnótico e belo, e conseguindo de alguma forma chegar a um sentido de encerramento dos círculos em que nos fez andar durante o filme, verificando-se que toda a plateia saiu da sala com um enorme sorriso nos lábios. Mais do que um filme, isto é uma experiência de vida que vem comprovar mais uma vez que Lynch continua muito (mas mesmo muito) à frente do resto dos realizadores actuais. ( 5 / 5 )
Sem comentários:
Enviar um comentário