28 abril, 2006

BD : Le Ciel Au-dessus de Bruxelles [avant]

Bernar(d) (Hi)Yslaire é mais um dos autores franco-belgas (aqui com assento na 2ª parte) que sigo religiosamente porque todos os seus livros valem a pena, e não é só pelos bonecos! Sambre foi a sua primeira grande obra (e teoricamente ainda não está terminada), depois foi o XXe Ciel - o seu titulo mais experimental - baseado no seu website, e agora é a vez deste novo Ciel (para abreviar) em dois capitulos e a completar em Novembro...

Este primeiro volume baseia-se essencialmente em duas sequências: uma primeira que se passa num campo de concentração russo, em que um judeu é morto com um tiro na cabeça após o separarem da sua irmã mais nova, e uma segunda passada nos nossos dias em Bruxelas, durante as manifs anti-guerra que ocorreram um pouco por todo o mundo antes do início da 2ª "guerra" do Iraque. Neste ambiente único encontram-se um judeu com uma estrela na cabeça (será o mesmo da primeira sequência???) e uma jovem muçulmana que tem por objectivo rebentar-se no meio da multidão.

Mais uma vez a evolução do desenho de Yslaire é notória... Se a primeira sequência vem muito ao estilo do XXe Ciel, na segunda parte o desenho parece ganhar liberdade com linhas mais leves (talvez um apróximar ao estilo de Bilal?) e menos escuridão.

Se é um facto que, como os detractores deste trabalho o dirão, se passa muito pouco neste primeiro volume, a relação de amor-ódio que nasce entre as duas personagens (bem como o nada discreto simbolismo que lhe está subjacente) é suficiente para se ler de uma penada e se ficar a pensar no que se leu, e anciosamente à espera da conclusão... Uma maravilha a não perder por qualquer apreciador de BD...

19 abril, 2006

Livro : Tokyo Cancelled (Rana Dasgupta)


Rana Dasgupta é um Inglês (descendente de Indianos) que passou grande parte da sua vida em mudanças por esse mundo fora (França, Malásia, EUA). Tendo editado este seu primeiro livro aos 33 anos, partilha actualmente o seu tempo entre Nova Deli e o Reino Unido.

Apesar de "classificado" como romance, Dasgupta prefere considerar este Tokyo Cancelled um "ciclo de histórias". Treze pessoas a caminho de Tókio vêm o seu vôo cancelado por razões metereológicas. Tendo assim que passar a noite no aeroporto de um país não especificado, decidem contar uma história cada uma para passar o tempo. Este mecanismo de interligação das histórias é puramente estético, dado não acrescentar nada às histórias propriamente ditas. Mas essas, totalmente brilhantes, são do melhor que tenho lido nos últimos tempos.

É nitida a tentativa de recuperação da tradição da história oral, tantas vezes associada às lendas e aos contos tradicionais, mas ao incutir as histórias de uma modernidade premente (algumas aproximam-se da ficção cientifica) e de uma construção emocional cuidada das suas personagens, Dasgupta consegue quebrar a classificação óbvia na corrente do realismo fantástico. Depois é transmitida uma noção de globalidade humana que acho que nunca tinha sentido em nenhum livro, ao colocar cada história numa cidade diferente (de Paris a Tóquio passando por Buenos Aires e Nova Iorque), mas sempre com personagens em mudança de uma forma ou outra, é conseguido um fio condutor que nos leva a concluir que todos nós (humanos) estamos de passagem entre dois destinos.

Para variar tenho boas notícias em termos de edição nacional, dado esta já existir pela Bizâncio com o título "Tóquio: Voo Cancelado". Recomendo-vos assim que se dirijam à livraria mais próxima e comprem este livro... Com tamanha desmonstração de uma imaginação absolutamente incrível, este será um autor a seguir muito atentamente.

17 abril, 2006

Disco : Eagles of Death Metal - Death By Sexy

Tenho uma confissão a fazer: o Josh Homme é o meu herói! Como é que um gajo consegue fazer parte de 3 ou 500 bandas, colaborar com montes de gente jeitosa desde os U.N.K.L.E. à PJoca (a minha heroína!!!), viver num rancho no meio do deserto e só ter um "esgotamento" por ano??? Com certeza que fez um pacto com o diabo para ter um abastecimento infinito das drogas que dão mais a volta ao miolo e por isso é que consegue ter tantos amigos!!! Aliás, nesta banda, o vocalista é um tal de Jesse "The Devil" Hughes e tem mesmo estilo de cromo dos anos 80 com bigode e tudo, o que parece vir comprovar a teoria... O resto da banda é algo confuso: ainda não consegui perceber se o Tim Van Hammel (aquele que tocou com os dEUS e que dá a cara pelos Millionaire) conseguiu sobreviver ao àlbum anterior (Peace, Love and Death Metal de 2004) e faz parte deste alinhamento ou não, mas consta que algures pelas 13 faixas (Lucky number!) aparecem alguns amigos de longa data (Mark Lanegan, e Troy Van Neuten dos QOTSA), namoradas (Brody Dale) e comediantes (Jack Black). Agora não me perguntem quem é a criança que faz uma pergunta no final do disco porque não faço ideia...

Convém deixar claro que os EODM (para simplificar) não são uma banda de death metal... São a banda de rock "clássico" metanfetaminado que eu sempre sonhei descobrir num bar cheio de low lifes tatuados e cheiro a suor e cerveja... Provavelmente nunca os encontrei porque não vou a esse tipo de bares... aliás, nem sequer me lembro da última vez que fui a um bar (a minha vida é muito triste e por isso tenho que escrever este blog)... Voltando à vaca quente: o Homme dedica-se à bateria com afinco, o Jesse canta 50% do disco em falseto e rifa comó caraças, as letras são nitidamente pensadas com a cabeça inferior, produção nem é preciso... É só ligar e está a andar...

Será que vai mudar o mundo? Não... Trás alguma coisa de novo? Também não... Mas é o disco que mais me divertiu este ano, fazendo-me sentir alguma vergonha por gostar de algo tão básico. Quem teima em não gostar de um bela de uma guitarrada (Olá Xá!!!) pode fugir a 7 pés, os outros podem ir mandar abaixo uma caneca e pedir para por o disco... Definitivamente SEXY... ( 4 / 5 )

Site : PostSecret


Descobri a semana passada este "blog" muito original. Mas não é o vosso blog habitual, em que uma ou várias pessoas + ou - malucas / idiotas / convencidas fala do que lhe apetece... Trata-se de um projecto de arte comunitária da autoria de um senhor chamado Frank Warren, que pede às pessoas para escreverem e ilustrarem num postal um segredo da sua vida e enviarem anonimamente para um endereço em Germantown nos E.U.A. Os postais são seleccionados e digitalizados e todos os Domingos surge um novo lote no site...

Este projecto (com o seu quê de Austeriano) é um enorme sucesso e Frank já recebeu cerca de 300.000 postais, 28 milhões de visitas, artigos em inúmeras publicações (incluindo o NY Times) e até já publicou um livro (Postsecret: Extraordinary Confessions from Ordinary Lives) com uma pequena selecção de segredos. Pela minha parte fiquei viciado em 2 lotes apenas, e passa a contar com o meu click todas as semanas.

05 abril, 2006

Retrete II : A loucura do rei do disco

Estes últimos dias os media têm andado sobrecarregados com notícias sobre o ataque da Associação Fonográfica Portuguesa aos "piratas" da música, nomeadamente quanto à apresentação de 28 queixas-crime sobre endereços IP de teóricos utilizadores de P2P (digo teóricos porque em acções semelhantes nos EUA foram "caçadas" pessoas que nem sequer tinham PC em casa). Estando eu próprio ligado à dita "comunidade P2P" (sim eu sou um BANDIDO), tenho andado a ver as reacções de quem é potencial alvo destas acções, e infelizmente começo a ver o pessoal a ir-se abaixo... Desde putos que perguntam "Ah, mas fazer DL's é ilegal?", a pessoal a panicar e a formatar o disco, e o fórum principal da comunidade a fechar (foram apresentados outros motivos, mas parece-me coincidência a mais - call me paranoid). Tenho lido muita coisa em muito sitio, e garanto-vos que nunca tinha visto tanto pontapé na nossa lingua em tão pouco tempo (e como já devem ter percebido, não é fácil eu reparar em tais coisas). Pela blogosfera também tenho encontrado exemplos de integridade (aqui e aqui) que me levaram a decidir a minha posição sobre o assunto, e a escrever estas linhas. Para não perder de vista a noção de auto-análise que esta coluna é suposto ter, decidi optar pelo formato "auto-entrevista", visto que os media ainda não encontraram nenhum IBM como eu para entrevistar sobre este assunto...

P: Por que motivo(s) faz DL de música?

R: Gosto muito, mas mesmo muito, de música. Quem me conheçe pode até não gostar da música que eu gosto, mas de certeza que concorda com esta afirmação. As rádios e a televisão passam 95% do tempo "música" de que não gosto, sob pressão das majors (excepção feita para a Radar que infelizmente mal se apanha em Lisboa). Provavelmente os media é que têm razão e eu é que sou um anormal ao não gostar da música que "toda a gente gosta".

Com a quantidade de informação disponível em sites como o Pitchfork ou o DrownedinSound, é muito fácil ficar com vontade de ouvir um dado disco. Ora, grande parte desses discos ou nunca chegam cá (nem em importação directa pelas lojas, quanto mais pelas editoras), ou chegam 6 meses depois (ver o exemplo vergonhoso do Extraordinary Machine da Fiona Apple).

Em relação aos artistas mainstream que gosto, faço o DL para ouvir o disco antes de sair e ficar a saber se vale a pena comprar. Se for esse o caso invariavelmente compro o disco no dia em que sai, ou mando vir pela internet se existir edição limitada e não tiver chegado cá (o que felizmente tem acontecido cada vez menos).

P: E compra todos os discos de que gosta?

R: Se tivesse dinheiro suficiente até comprava, mas infelizmente não é esse o caso... Tento comprar o que posso dando prioridade a artistas nacionais (só este ano já comprei 4 CDs) e a edições limitadas. Mas mesmo que não fizesse DL, a situação seria a mesma, como aliás já o era antes de haver DL's e postos de escuta, em que comprava CDs só baseado numa critica ou numa música que ouvi e gostei.

P: E não acha que está a roubar?

R: De forma alguma. Eu penso que todo o cidadão deve ter pleno acesso à cultura. Se os media que deveriam ser responsáveis pela divulgação da cultura não o são, os cidadões devem fazer o que poderem para se cultivar. O problema base é que nos tempos que correm a música não é vista como uma questão cultural, mas sim como um produto puramente comercial e isto tanto pelas editoras que só pensam em cifrões, como pelo governo que mantém uma taxa de IVA de artigo de luxo nos discos. Segundo este ponto de vista, só quem tem dinheiro é que pode ter acesso à cultura, ou será que pensam que as pessoas que ganham o ordenado mínimo podem comprar muitos CDs a 15-20 € cada? Quem não tem dinheiro para comprar livros, pode sempre ir a uma biblioteca...

P: E como justifica a quebra de 40% nas vendas em 5 anos que a AFP considera devida ao P2P?

R: Não vou dizer que os DL's não sejam responsáveis por uma parte dessa quebra, mas já foram feitos inúmeros estudos que revelam que em valores médios quem utiliza mais o P2P é também quem compra mais música. Acredito também que exista muita gente que não compra um único disco, por não ter dinheiro, ou por considerar a música um simbolo de estilo e não uma arte. Mas não é por haver P2P que essas pessoas não compram música... A AFP e as outras associações discograficas por esse mundo fora, poderiam pensar um pouco noutras razões que justifiquem esse decréscimo. Eu que não sou business man consigo pensar em várias assim de repente:
- A falta de qualidade e inovação do "produto" que colocam à venda.
- O preço dos discos em Portugal - porquê comprar a colectânea dos Massive Attack por 24€ na FNAC se se pode mandar vir da CD WOW por 18€ com portes incluídos? A AFP esqueçe-se que vivemos num mercado cada vez mais global, e se eu fizer um DL legal via iTunes (como já aconteceu várias vezes), não entra concerteza para as estatísticas de vendas que a AFP utiliza.
- A redução do poder de compra dos Portugueses, que é bem real e que todos sentimos na pele. Afinal de contas, o disco é um produto de luxo ;-), logo um dos primeiros a cortar no aperto do cinto.
- Um eventual decréscimo do interesse das novas gerações pela música. Em tempos muito antigos, a música só podia ser ouvida ao vivo e eram certamente momentos mágicos. Nos tempos que correm, e em qualquer cidade, aonde quer que se vá, está a tocar música. Centros comercias, restaurantes, elevadores, estamos permanentemente rodeados de som, o que concerteza reduz o valor da música, da mesma forma que reduziria o apetite se estivessemos constantemente a comer.

P: E o que acha que a AFP vai conseguir com estas acções?

R: Para mim é claro que a AFP está a morder a mão que a alimenta. Ao moverem processos contra particulares que fazem DLs para uso pessoal, e ULs para difusão da música de que gostam, estão a alianar os seus melhores clientes, dado serem pessoas que gostam realmente de música.

As editoras deveriam pensar em fazer alterações profundas ao modelo de negócio que praticam (na realidade já o deveriam ter feito há uns bons 5 anos). Não só em termos da forma (online vs. loja fisica), mas também ao nível da gestão. Porquê gastar tanto dinheiro em marketing? A música não fala por si? Porque é que não a deixam falar? Porquê pagar milhões a artistas comerciais, quando existem inúmeros que fazem muito melhor música à espera de uma oportunidade que não aparece? A forma como esta gente gasta o dinheiro é perfeitamente imoral (fico sempre muito deprimido quando vejo o The Fabulous Life na VH1). Como é que se consegue ser tão fútil num mundo em que uma parte muito significativa da população nem tem dinheiro para comer? Porquê manipular o mercado? São tão incompetentes que não têm ninguém nos quadros que consiga distinguir boa música de um balde de merda?

Aos meus olhos são um gigante a dar o seu último grito... Está na hora de se adaptarem aos tempos ou morrerem.

03 abril, 2006

DVD : Gorillaz - Demon Days Live

Desde o início que este projecto tem tudo para o meu deleite. Damon Albarn é o líder de uma das minhas bandas favoritas (os Blur) e desde os tempos de Tank Girl (já lá vão uns 20 anitos) que tenho uma adoração muito particular pelos "bonecos" do Jamie Hewlett. Depois de um 1º àlbum bom, mas um pouco irregular, os Gorillaz brindaram-nos com Demon Days o ano passado o qual, apesar de ainda não perfeito, conseguia ser mais equilibrado e menos infantil.

A série de 5 concertos realizados na Opera House de Manchester em Novembro do ano passado que este DVD documenta, foram de certa forma a consagração de um fenómeno mediatico, passando para um plano muito real o conceito totalmente abstracto da banda. Imaginem um conjunto de paineis translucidos e coloridos, algures entre vitrais e quadrados de banda desenhada, com os elementos reais da banda atrás a aparecerem como meras silhuetas. Por cima, um ecrã gigante a passar os visuais geniais de Hewlett. À frente, no palco, do lado direito, uma pequena orquestra de cordas, e do lado esquerdo, tema a tema, os colaboradores originais do àlbum vão-se sucedendo: Neneh Cherry, Martina Topley-Bird, De La Soul, Shaun Rider, coro de gospel, e muitos mais. Confesso que quando Dirty Harry iniciou com o coro de crianças em palco até me vieram lagrimas aos olhos, tal era a alegria e descontracção com que ali estavam...

É com esta apresentação que se torna claro para mim o que a banda tem de mais genial (para além do marketing): é o facto de juntar todos os tipos musicais (hip-hop, dance, folk, rock, world, etc.) enfiá-los num misturador de ideias e apresentar um resultado consistente. E ao vivo parece daqueles concertos em que a festa parece ainda maior em palco do que na assistência...

No plano técnico o DVD está impecável: som DTS, 5.1 e stereo, realização muito boa a utilizar de forma útil o split screen para podermos acompanhar melhor a confusão que reina em palco e na tela, e ainda dá a possibilidade de ver apenas os visuais projectados durante o concerto. Não ficaria nada mal algumas cenas de bastidores com os elementos a conviver entre si (o Shaun Rider parecia muito "bem disposto" como é habito), mas não se pode ter tudo, e o que aqui está já é muito bom.