05 abril, 2006

Retrete II : A loucura do rei do disco

Estes últimos dias os media têm andado sobrecarregados com notícias sobre o ataque da Associação Fonográfica Portuguesa aos "piratas" da música, nomeadamente quanto à apresentação de 28 queixas-crime sobre endereços IP de teóricos utilizadores de P2P (digo teóricos porque em acções semelhantes nos EUA foram "caçadas" pessoas que nem sequer tinham PC em casa). Estando eu próprio ligado à dita "comunidade P2P" (sim eu sou um BANDIDO), tenho andado a ver as reacções de quem é potencial alvo destas acções, e infelizmente começo a ver o pessoal a ir-se abaixo... Desde putos que perguntam "Ah, mas fazer DL's é ilegal?", a pessoal a panicar e a formatar o disco, e o fórum principal da comunidade a fechar (foram apresentados outros motivos, mas parece-me coincidência a mais - call me paranoid). Tenho lido muita coisa em muito sitio, e garanto-vos que nunca tinha visto tanto pontapé na nossa lingua em tão pouco tempo (e como já devem ter percebido, não é fácil eu reparar em tais coisas). Pela blogosfera também tenho encontrado exemplos de integridade (aqui e aqui) que me levaram a decidir a minha posição sobre o assunto, e a escrever estas linhas. Para não perder de vista a noção de auto-análise que esta coluna é suposto ter, decidi optar pelo formato "auto-entrevista", visto que os media ainda não encontraram nenhum IBM como eu para entrevistar sobre este assunto...

P: Por que motivo(s) faz DL de música?

R: Gosto muito, mas mesmo muito, de música. Quem me conheçe pode até não gostar da música que eu gosto, mas de certeza que concorda com esta afirmação. As rádios e a televisão passam 95% do tempo "música" de que não gosto, sob pressão das majors (excepção feita para a Radar que infelizmente mal se apanha em Lisboa). Provavelmente os media é que têm razão e eu é que sou um anormal ao não gostar da música que "toda a gente gosta".

Com a quantidade de informação disponível em sites como o Pitchfork ou o DrownedinSound, é muito fácil ficar com vontade de ouvir um dado disco. Ora, grande parte desses discos ou nunca chegam cá (nem em importação directa pelas lojas, quanto mais pelas editoras), ou chegam 6 meses depois (ver o exemplo vergonhoso do Extraordinary Machine da Fiona Apple).

Em relação aos artistas mainstream que gosto, faço o DL para ouvir o disco antes de sair e ficar a saber se vale a pena comprar. Se for esse o caso invariavelmente compro o disco no dia em que sai, ou mando vir pela internet se existir edição limitada e não tiver chegado cá (o que felizmente tem acontecido cada vez menos).

P: E compra todos os discos de que gosta?

R: Se tivesse dinheiro suficiente até comprava, mas infelizmente não é esse o caso... Tento comprar o que posso dando prioridade a artistas nacionais (só este ano já comprei 4 CDs) e a edições limitadas. Mas mesmo que não fizesse DL, a situação seria a mesma, como aliás já o era antes de haver DL's e postos de escuta, em que comprava CDs só baseado numa critica ou numa música que ouvi e gostei.

P: E não acha que está a roubar?

R: De forma alguma. Eu penso que todo o cidadão deve ter pleno acesso à cultura. Se os media que deveriam ser responsáveis pela divulgação da cultura não o são, os cidadões devem fazer o que poderem para se cultivar. O problema base é que nos tempos que correm a música não é vista como uma questão cultural, mas sim como um produto puramente comercial e isto tanto pelas editoras que só pensam em cifrões, como pelo governo que mantém uma taxa de IVA de artigo de luxo nos discos. Segundo este ponto de vista, só quem tem dinheiro é que pode ter acesso à cultura, ou será que pensam que as pessoas que ganham o ordenado mínimo podem comprar muitos CDs a 15-20 € cada? Quem não tem dinheiro para comprar livros, pode sempre ir a uma biblioteca...

P: E como justifica a quebra de 40% nas vendas em 5 anos que a AFP considera devida ao P2P?

R: Não vou dizer que os DL's não sejam responsáveis por uma parte dessa quebra, mas já foram feitos inúmeros estudos que revelam que em valores médios quem utiliza mais o P2P é também quem compra mais música. Acredito também que exista muita gente que não compra um único disco, por não ter dinheiro, ou por considerar a música um simbolo de estilo e não uma arte. Mas não é por haver P2P que essas pessoas não compram música... A AFP e as outras associações discograficas por esse mundo fora, poderiam pensar um pouco noutras razões que justifiquem esse decréscimo. Eu que não sou business man consigo pensar em várias assim de repente:
- A falta de qualidade e inovação do "produto" que colocam à venda.
- O preço dos discos em Portugal - porquê comprar a colectânea dos Massive Attack por 24€ na FNAC se se pode mandar vir da CD WOW por 18€ com portes incluídos? A AFP esqueçe-se que vivemos num mercado cada vez mais global, e se eu fizer um DL legal via iTunes (como já aconteceu várias vezes), não entra concerteza para as estatísticas de vendas que a AFP utiliza.
- A redução do poder de compra dos Portugueses, que é bem real e que todos sentimos na pele. Afinal de contas, o disco é um produto de luxo ;-), logo um dos primeiros a cortar no aperto do cinto.
- Um eventual decréscimo do interesse das novas gerações pela música. Em tempos muito antigos, a música só podia ser ouvida ao vivo e eram certamente momentos mágicos. Nos tempos que correm, e em qualquer cidade, aonde quer que se vá, está a tocar música. Centros comercias, restaurantes, elevadores, estamos permanentemente rodeados de som, o que concerteza reduz o valor da música, da mesma forma que reduziria o apetite se estivessemos constantemente a comer.

P: E o que acha que a AFP vai conseguir com estas acções?

R: Para mim é claro que a AFP está a morder a mão que a alimenta. Ao moverem processos contra particulares que fazem DLs para uso pessoal, e ULs para difusão da música de que gostam, estão a alianar os seus melhores clientes, dado serem pessoas que gostam realmente de música.

As editoras deveriam pensar em fazer alterações profundas ao modelo de negócio que praticam (na realidade já o deveriam ter feito há uns bons 5 anos). Não só em termos da forma (online vs. loja fisica), mas também ao nível da gestão. Porquê gastar tanto dinheiro em marketing? A música não fala por si? Porque é que não a deixam falar? Porquê pagar milhões a artistas comerciais, quando existem inúmeros que fazem muito melhor música à espera de uma oportunidade que não aparece? A forma como esta gente gasta o dinheiro é perfeitamente imoral (fico sempre muito deprimido quando vejo o The Fabulous Life na VH1). Como é que se consegue ser tão fútil num mundo em que uma parte muito significativa da população nem tem dinheiro para comer? Porquê manipular o mercado? São tão incompetentes que não têm ninguém nos quadros que consiga distinguir boa música de um balde de merda?

Aos meus olhos são um gigante a dar o seu último grito... Está na hora de se adaptarem aos tempos ou morrerem.

2 comentários:

Bruno Taborda disse...

Purple,

Eliminei os teus 2 comentários com o link para a tua página, porque este já se encontra no corpo do meu texto ;-)

Espero que não leves a mal, e agradeço-te o reforço de opinião...

Até breve e boa sorte... O mais provável é crusarmo-nos num concerto e nem sabermos ;-)

Unknown disse...

É assim mêmo pá!

A SPA que me explique o facto dos V Império terem vendido em Portugal (e apenas durante os primeiros 3 meses) 9.985 discos.
E que o gajo da editora se recusou a dar disco de prata porque naquela merda só de dava de ouro para cima.
Só eu comprei mais 100 logo a seguir.
O número de vendas, em 7 anos,nunca foi alterado.
Curioso não é?
Fora o resto do mundo. Trouxeram-me cds de N.Y e Tóquio, de Macau e Benelux.
A SPA que me pague os direitos devidos de um telejornal de uma estação TV holandesa que escolheu V Império.
Feita a queixa, nada cá chegou.
A SPA que me explique como é que os músicos deste Portugal (os gajos que comem desta merda há 20 anos)estão cheios de guito, ganham dinheiros para projectos como "avanços" e nunca o repôem.
A SPA DEVERIA ESTAR TODA DE CANA!
E os Rebelos?????????
ahahahahahahahahahahahahaha
país de merda.