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Já devem ir para aí uns 20 anitos. Estavamos no fase final do apogeu do famoso ZX Spectrum (para incultos e jovens - o primeiro computador para as massas), quando eu e um amigo meu (também ex-director do CC Carbono), fizemos um jogo cujo objectivo era: fazer filmes! A coisa era bastante rudimentar: começava-se com x de dinheiro, escolhia-se um género, um realizador e os actores, fazia-se a rodagem (com possibilidade de alguns acidentes pelo caminho) e depois via-se o resultado na bilheteira e nos Óscares. Na altura eu percebia muito pouco de programação e tinha mais tendência para as artes, por isso eu fiz os gráficos e o meu amigo fez a programação. As formulas inventadas até não estavam nada mal, porque o resultado muitas vezes correspondia às expectativas. Curiosamente mais tarde eu dediquei-me à programação e o meu amigo não quis saber mais nem de matemática, nem dessas cenas dos computadores, acabando por tirar Direito. O jogo esteve quase a ser publicado pela CodeMasters (que ainda existe), mas acabou por ficar tudo em àguas de bacalhau.
É incrível que em 20 anos ninguém tenha tido a ideia de comercializar um jogo semelhante, dada a popularidade do mundo do cinema. Este The Movies da LionHeart de Peter Moulineaux (antigo chefe da saudosa Bullfrog e autor de clássicos como Populous e Syndicate), vem finalmente preencher a lacuna, mas digo desde já que não me enche as medidas.
Neste jogo somos responsáveis pela criação de um estúdio de cinema nos anos 20. Contratamos o pessoal (realizadores, argumentistas, actores, extras, crew, etc.), construímos as instalações (cenários, laboratórios, centros de desintoxicação e até clinicas de cirurgia plástica) e fazemos os filmes que depois são julgados pelos criticos e podem receber prémios. Até aqui estamos perante um jogo do tipo Sim (ou Theme à la Moulineaux) bastante normal. É nitida a tentativa de evoluir o género ao juntar a estes conceitos "batidos", uma personalidade às nossas estrelas. À medida que o tempo passa os nossos actores e realizadores ganham vicios (comida e bebida - drogas era capaz de ser forte demais), fazem birras, enfim são umas melgas incríveis. Apesar de ser uma nuance interessante o conceito é completamente roubado ao The Sims, e acaba por chatear mais do que aumentar o interesse do jogo.
Mais interessante é a possibilidade de participarmos activamente na realização do filme, escolhendo cenários, fatos, cenas e melhorando assim o guião feito pelos nossos argumentistas. Após a rodagem também podemos trabalhar a pós-produção. O resultado final pode ser exportado para um formato autónomo e distribuido a quem bem entendermos. No entanto, e apesar do valor de "novelty" desta opção, ela não impacta verdadeiramente no resultado do filme no universo do jogo, pelo que parece assim um pouco desgarrada.
Somando a tudo isto um nível de "micro-management" imprescindível (por exemplo se não decorarmos o estúdio com palmeiras e fontes e bancos de jardim, somos prejudicados em termos de notoriedade), o jogo acaba por entediar bastante depressa. Penso ser uma oportunidade desperdiçada para fazer um grande jogo, e Moulineaux, apesar da sua fama de visionário, não quis nitidamente arriscar, mantendo-se fiel às normas de mercado. Bastaria por exemplo utilizar actores e realizadores reais (ou caricaturas para evitar processos legais) para que o jogo se tornar muito mais divertido. Tenho a certeza que, com a experiência adquirida em 20 anos a jogar jogos de computador feitos por outras pessoas, eu e o meu amigo conseguiamos conceber bastante melhor.