Continuando na veia do futurismo pessimista do post anterior, aproveito para fazer mais um bocadinho de publicidade a esta banda. O facto de não termos esperado mais cinco anos pelo sucessor de With Teeth, parece um verdadeiro milagre. O Reznor normalmente deixa passar uns 5 anos entre álbuns, mas desta feita, revigorado por uma tournée de sucesso, deu-se por satisfeito após meros 2 anos. Este Year Zero foi precedido por uma campanha de marketing viral absolutamente única que iniciou com o "esquecimento" de pens com músicas do disco nas casas de banho dos locais de concerto (a primeira foi encontrada no Coliseu), passou por um número enorme de sites em que o nome da banda nem sequer consta, e continuou com um telefone encontrado na análise espectrografica de uma das músicas "encontradas", a partir do qual se poderia ouvir um interrogatório falso.
Estamos perante um concept album (ou talvez project, porque parece que não ficaremos por aqui) em que Reznor nos apresenta a sua visão dos EUA daqui a 15 anos, e não é uma vista bonita. A guerra contra o terrorismo tornou-se santa, a povo Americano é sedado diariamente através de drogas introduzidas no abastecimento de água, e existe um movimento de resistência que tenta usurpar o poder da forma mais violenta possível. Nada de particularmente original, mas nitidamente um estudo (ou será um protesto) sobre a realidade actual.
Mas esquecendo os conceitos, o que interessa mesmo é a música. Reznor começou a brincar com loops de ruído no seu portátil quando estava em tournée, e acabou por compor e gravar grande parte do disco, o que faz que a sonoridade se aproxime mais do seu primeiro álbum (Pretty Hate Machine), gravado por tuta e meia e a solo. O que é verdadeiramente impressionante, é a forma como quase não se reconhecem instrumentos tradicionais na maioria das músicas. Foram certamente utilizados, mas ao serem espezinhados electronicamente, tornam-se mero ruído. No entanto as canções estão construídas de uma forma que consegue tornar esta tempestade de ruído em melodia e ritmo, e sendo verdade que todas são imediatamente reconhecíveis como NIN, ao mesmo tempo conseguem ser de uma originalidade que as torna incomparáveis com qualquer outra música feita nos nossos dias. ( 4,5 / 5 )
26 abril, 2007
15 abril, 2007
Livro : The Road (Cormac McCarthy)
O meu primeiro contacto com este autor foi no início dos anos 90 com a publicação nacional de Belos Cavalos (All the Pretty Horses no original). Na altura foi um livro que me tocou bastante, pela solidão e a falta de esperança que representava, e cheguei mesmo a ler o resto da Trilogia da Fronteira (The Crossing de 1994 e Cities of the Plain de 1998). Aquela que para mim é a maior capacidade do autor é a forma com que consegue transmitir o sentido de árido e a solidão de alguém perdido num ambiente desse tipo. A sua escrita consegue assim ser ao mesmo tempo extremamente simples, mas carregada de emoção e de significado.
Este The Road segue um pouco na linha anterior, levando-a eventualmente ao extremo da aridez e do desespero. Acompanhamos a viagem de um pai e um filho na travessia de uns Estados Unidos completamente devastados por um cataclismo (não identificado), a caminho da costa leste, do mar e da esperança que representam. Mas desengane-se quem pense que estamos perante a milionésima iteração do Mad Max (ou outras fantasias pós-apocalípticas), o ênfase do livro recai inteiramente sobre o relacionamento entre este pai (com dificuldade em manter alguma esperança) e o seu filho (com dificuldade em perceber ou aceitar grande parte da selvajaria que impera).
É um daqueles livros que se termina com a sensação que vai ficar na nossa memória (não só factual, mas também emocional) por muito tempo e por isso mesmo não poderia deixar de o colocar por aqui. Fiquei também há dias a saber que está em projecto uma adaptação cinematográfica pelo Australiano John Hillcoat que, a julgar pelo demonstrado no excelente The Proposition, parece o realizador perfeito para esta história.
P.S. - Soube hoje pelo Expresso que este livro ganhou um muito merecido Pulitzer da literatura de Ficção. Parabéns Sr. McCarthy...
02 abril, 2007
Filme : Shortbus
Este é o segundo filme de um senhor chamado John Cameron Mitchell. O primeiro foi um musical intitulado Hedwig and the Angry Inch (baseado na peça Off-Broadway de mesmo nome e também de sua autoria) que é provavelmente um dos meus filmes favoritos dos últimos 10 anos, ao ponto de obrigar os meus amigos todos a assistirem ao filme numa passagem de ano em minha casa - escolha que poderá ter sido pouco consensual, dado tratar da vida de um/a transexual mal operado/a que tenta vencer no mundo da música. Apesar de agressivo consegue ter imenso humor, apesar de ser muito realista mistura desenhos animados, e a música, apesar de kitsch é completamente brilhante.
Este Shortbus também é feito de uma grande contradição, apesar de ser dos filmes (não pornográficos) mais explícitos de sempre, é basicamente um filme muito simpático sobre o amor e a busca da identidade. Nele seguimos a vida de uns quantos habitantes de Nova Iorque que se juntam regularmente num clube que dá o título ao filme e onde se mistura a arte, a música, a politica e o sexo. Hetero, gay ou lésbico, o realizador nitidamente não tem medo do sexo, e mostra-o de uma forma tão natural, que se torna uma continuação das relações e diálogos entre as personagens. Os excelentes actores do filme são todos estreantes que responderam ao desafio deixado por Mitchell na internet, e contribuíram não só com o seu talento e os seus fluídos corporais, mas na própria escrita, por forma a garantir a respectiva identificação com as personagens. Apesar de por vezes um pouco desequilibrado, é um filme muito inteligente e muito humano, que não podia deixar de recomendar. ( 4 / 5 )
P. S. - O filme tem estreia marcada por cá para dia 5 de Maio e será distribuido pela Atalanta.
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