Como já devem ter depreendido por este meu silencio de mais de um mês, estive de férias, e passei a semana que passou na tradicional "depressão de reinserção". Normalmente aproveito o meu maior periodo de férias para "desligar do mundo". Ou seja, não há cá DVDs, nem PCs, nem música nova... Os meus tempos livres pessoais e intransmissíves são assim dedicados à leitura, ao meu iPod e (muito raramente) à televisão...
Este ano, para não variar, aproveitei para ler uns quantos livros e, tendo gostado de tudo o que li, não li nada a que pudesse chamar uma obra-prima. Digamos que os autores repetentes apostam na continuidade sem grandes surpresas, e os novos não me convenceram totalmente... Curiosamente só ao escrever este post é que reparei que todos estes livros (tirando as BDs) têm como tema as relações familiares... Garanto-vos que foi puramente por acaso...
Os Suspeitos do Costume
The Bedroom Secrets of the Master Chefs
Irvine Welsh
Welsh é o autor do famoso Trainspotting que deu origem ao filme de Danny Boyle, e já em tempos disse maravilhas sobre os restantes livros deste homem... Este que é o seu primeiro livro em 4 anos (depois de Porno - a continuação do referido Trainspotting) não deixou de me desiludir um pouco, de tal forma segue a template delineada nas suas obras anteriores... Danny Skinner é um jovem inspector de higiene em Edimburgo, cínico e dado a todos os tipos de excessos, que anda a tentar descobrir a identidade do seu pai (o que a mãe ex-punk se recusa a revelar). No seu trabalho cruza o caminho de um tal Brian Kibby, tótó por natureza e coleccionador de modelos de comboios, por quem sente um ódio visceral desde o primeiro momento e sem saber muito bem porquê...
O livro está longe de ser mau. É possivelmente o mais acessível de Welsh, por ter uma escrita mais linear e utilizar menos o calão Escocês, e consegue ter uma certa resonância a tragédia Grega que não lhe fica nada mal. Mas como já disse, para quem já leu todos os livros do autor, surpreende muito pouco e, para estreantes, continuo a recomendar o demolidor Marabou Stork Nightmares...
Theft: a Love Story
Peter Carey
Este autor Australiano deveria dispensar apresentações para todas as pessoas que gostem de ler (apesar de muito pouco traduzido entre nós) dado já ter ganho o Booker duas vezes. Tenho acompanhado regularmente a sua bibliografia e gostei particularmente do seu livro anterior My Life as a Fake.
Theft conta-nos a história dos irmãos Bones: Butcher - pintor de profissão, e Hugh - sem profissão e ligeiramente autista, a partir do momento em que a sua vida pacata em New South Wales, é basculada irremediavelmente pelo aparecimento de uma tal de Marlene, numa noite de tempestade, levando os irmãos de Nova Iorque a Tóquio numa teia que envolve falsificação de quadros (ou talvez não)...
A história é interessante, sem ser particularmente original, mas Carey usa um dispositivo que a meu ver não funciona (ou se calhar só funciona para Australianos) ao alternar a narrativa na primeira pessoa entre os dois irmãos... O facto é que não me parece que os pontos de vista sejam suficientemente divergentes para se justificar este desdobramento, e as partes narradas pelo irmão atrasado, são de leitura bastante difícil, não só pelo calão, mas também pela forma de raciocinio da personagem. Mesmo assim o livro proporcionou-me uns momentos bem passados...
Impuretés
Philippe Djian
Penso que Djian é o autor Francês que sigo há mais tempo, na pratica desde que vi o célebre Betty Blue de Jean-Jacques Beineix (que já tem 20 anos e que me marcou muito na altura), baseado no seu romance 37º2 le matin. Desde aí, Djian tem publicado regularmente, tendo tido uma segunda parte de carreira investida pelo policial negro que não me motivou particularmente. O século XXI (e os seus 50 anos) parecem ter-lhe refrescado o espirito, e este já é o terceiro livro recente dele de que gosto bastante (depois de Ça, c'est un baiser e Frictions).
Impuretés coloca-nos no centro de uma familia atómica rica e desfeita: o pai autor famoso passado a drogado e actualmente dedicado à escrita de giões menores, a mãe actriz famosa com a carreira em queda e o alcoolismo a subir, a filha morta por afogamento oito meses antes do início do livro, e o filho mais novo, para muita gente suspeito da morte da irmã, que parece viver a vida num completo vazio sem objectivo. A acção desenrola-se numa colina, área residencial de moradias de ricos (quase condomínio fechado), em que todas as familias estão em auto-destruição, e sem sombra de esperança para encontrar a algo que se aproxime da felicidade. Um livro bastante negro, mas muito bem escrito e que recomendo a todas as pessoas que não tenham medo da depressão dos outros...
Novos Autores
The Motel Life
Willy Vlautin
Vlautin é o vocalista e compositor principal dos Richmond Fontaine, uma banda de alt-country desencantado, cujo último album intitulado The Fitzgerald foi bastante bem recebido pela critica (pessoalmente não delirei, mas não aprecio particularmente o estilo). As letras das músicas falam de vidas destroçadas e de solidão, e é este tema que passa para este pequeno livro extremamente belo (não só pelo texto, mas também pelas ilustrações).
The Motel Life conta-nos a vida de dois irmãos em fuga depois de um deles ter matado acidentalmente um rapaz que andava de bicicleta. Este deambular de motel em motel serve de pano de fundo para algumas viagens às suas memórias, e leva-nos a concluir que um azar nunca anda só...
O estilo da escrita é simples e poético, a fazer lembrar um pouco o Sam Shepard de Motel Chronicles, e permite-nos ter um elevado grau de empatia por estes irmãos sem destino e que, apesar de todo o azar que têm na vida, parecem nunca abandonar a esperança...
The Accidental
Ali Smith
Este livro foi bastante celebrado no final do ano passado dado ter sido shortlisted para o Booker prize e ter ganho o Whitbread. Mais uma familia atómica disfuncional e com dificuldades de comunicação incriveis, mas desta vez a forma de pensar de cada elemento e a forma como interagem é profundamente alterada pela presença de uma rapariga estranha chamada Amber.
Apesar de a história não ser muito original, a forma como está estruturada de forma pouco linear, e o virtuosismo da escrita ao adaptar-se ao ponto de vista de cada personagem, faz-me acreditar que a autora poderá vir a escrever grandes obras. Definitivamente a seguir, e este ainda por cima já está traduzido e editado por cá (pela Bico de Pena), e com o título "A Acidental".
Banda Desenhada
L'Enragé - Tome 2
Baru
Tenho seguido a obra de Baru de forma inconstante (ele também não publica muito), e no passado gostei particularmente de L'Autoroute du Soleil, a sua novela gráfica com dois amigos on the road... Este L'Enragé passa-se nos meandros do boxe profissional e permite-nos seguir a ascenção e queda de um campeão que veio do nada e se tornou numa estrela mediatica...
Se o ritmo do primeiro tomo me deixou muito satisfeito, este abranda e por esse motivo desiludio-me um pouco. Quanto ao desenho de Baru nada a apontar, é daqueles autores com um estilo inimitável e que é sempre um prazer re-encontrar... Pena que a história, apesar dos subtextos sobre a hipocrisia dos media, não esteja totalmente à altura.
Magasin Général - Marie
Loisel & Tripp
Loisel faz parte da minha lista de autores obrigatórios desde que li o seu La Quête de L'Oiseau du Temps, tendo também gostado muito da versão jubilatória que fez de Peter Pan.
Este é o primeiro volume de uma nova trilogia verdadeiramente a meias com Tripp (que eu desconhecia), e digo verdadeiramente, porque partilham responsabilidades tanto no argumento como no desenho. Passado numa aldeia algures no Quebeque nos anos 20, a história inicia com a morte do dono da única mercearia da vila, e segue de perto a sua viúva - a Marie do título.
No fundo é um livro sobre a vida de pessoas normais, que transmite na perfeição a alegria e o aconchego da família extendida de uma aldeia, e que penso que só será totalmente compreensível quando a trilogia estiver concluída. Se o desenho de Loisel já era excelente, os sombreados de Tripp parecem acrescentar-lhe profundidade, o que torna o desenho sumptuoso e perfeito para o ambiente pretendido. Gostei muito...
Rendez-Vous à Paris
Enki Bilal
Bilal dispensa apresentações para qualquer aficionado de BD, e eu junto-me de joelhos à longa fila de fãs que veneram o mestre. Este é o terceiro volume da trilogia iniciada em Le Sommeil du Monstre, e que misteriosamente passou a quadrilogia com a publicação deste volume.
Com este livro confirma-se a tendência já denotada no volume anterior (32 Decembre) para a abstracção. Se em relação ao desenho se pode considerar isso uma evolução para melhor, com o autor a trocar definitivamente o seu tracejado perfeccionista de outrora, por um estilo muito livre e próximo da pintura, em relação à história penso que não se pode dizer o mesmo. Não sei se estou a ficar estúpido com o avançar dos anos, mas isto parece fazer menos sentido a cada novo volume. Esperemos que o quarto seja mesmo o último e que permita encaixar as peças todas (ou pelo menos uma parte significativa). Definitivamente não é com este livro que devem descobrir o autor, mas se já conhecem e gostam, tenho a certeza que mesmo que eu disse-se que era um monte de esterco (que está muito longe de ser), não iam deixar de comprar...