24 março, 2006

BD : Revelations

Quando esta mini-série foi anunciada quase há um ano, a minha primeira reacção foi "Oh não! As cópias do Código Da Vinci já chegaram aos comics...". Mas pelo facto de ser publicada pela Dark Horse e por gostar dos criadores: Paul Jenkins pelo trabalho feito no Hellblazer, na mini-série da Marvel Knights dos Inhumans e pelo Origin; Humberto Ramos principalmente pelas séries limitadas que co-criou (Crimson e Out There), decidi arriscar. E devo confessar que não me arrependi.

Em Revelations assistimos à chegada de Charlie Northern, um dos detectives de topo da Scottland Yard, ao Vaticano para investigar a morte misteriosa de um alto cargo (indicado como possível sucessor do Papa) que foi projectado da janela do seu escritório. Mas os motivos porque lhe foi "encomendada" esta investigação não são nada óbvios, dado o próprio Vaticano estar a esconder a verdade e a fazer tudo para que não chegue a nenhuma conclusão.

Para mim a série funciona essencialmente a três níveis: a personagem principal está muito bem pensada, tendo ele próprio "perdido a fé" após acontecimentos traumáticos na sua vida, e é de um cinismo brilhante; os diálogos, e estes representam a fatia de leão da série dado tratar-se essencialmente de uma investigação criminal, estão muito bem escritos; a arte de Ramos parece ter evoluido uns 300% e está um espanto. Mas sobretudo consegue manter o interesse a níveis muito elevados ao longo dos seus 6 números, tendo-se tornado um dos primeiros comics a sair da pilha sempre que recebia um lote.

A Dark Horse vai editar o TP em Junho e não me parece ser de excluir a possibilidade de que isto saia por cá, dado ter nitidamente as condições que normalmente parecem ser necessárias para uma edição "premium" da Devir: séries fechadas com arte cativante e com autores em início de carreira. A ver vamos...

21 março, 2006

Filme : C.R.A.Z.Y.

Este filme canadiano realizado por um tal de Jean-Marc Vallée, anda a ganhar tudo o que é prémio de cinema na sua terra e já é considerado um sério candidato ao Óscar de melhor filme estrangeiro para o próximo ano.

Zachary, nascido no dia de Natal de 1960, é o quarto irmão de uma familia de cinco. O filme acompanha a sua vida (e da sua família) durante cerca de duas décadas, mostrando de forma muito realista as relações familiares, com particular incidência sobre a relação disfuncional com o pai, um homem algo severo, mas com imenso amor pelos filhos.

C.R.A.Z.Y. é um daqueles filmes sobre a vida das pessoas normais que, apesar de não apresentar nada de particularmente inovador, nos prende de uma forma incrível e que nos faz sentir grande empatia pelas personagens. Servido de excelentes interpretações, uma realização bem controlada entre a história e o estilo, dialogos muito verosimeis e uma banda sonora bem utilizada a acompanhar os tempos (Patsy Kline, Pink Floyd, Stones, David Bowie, etc.), é sem dúvida um filme a ver, pecando apenas por alguma estereotipização dos irmãos (quase parecem as Spice Girls: há o desportista, o intelectual, o drogado e o androgeno), que é facilmente perdoável pelo que nos oferece. ( 4 / 5 )

17 março, 2006

Disco : Morrissey - Ringleader of the Tormentors

Apesar de me ter prometido escrever por aqui apenas sobre "coisas" que goste, quando no outro dia ouvi este disco pela primeira vez, escrevi uma reacção a quente que me parece suficientemente boa para publicar, apesar de bastante negativa:

Para Ringleader of the Tormentors, Morrissey troca a metralhadora por um violino. Paralelamente troca também o activismo político brutalmente honesto, por um coro de criancinhas italianas. Para ajudar à festa vai buscar Tony Visconti para a produção, que desde o fim dos anos 80 tem o toque de Midas ao contrário: tudo em que toca transforma-se em pasta indistinta. Este Ringleader vem confirmar a regra de que este senhor só consegue fazer um disco de jeito por década (Viva Hate nos 80, Vauxhall and I nos 90 e You Are the Quarry nos 00), o que quer dizer que antes de 2010 escusam de ouvir outro disco dele. Citando as suas próprias palavras: “The world is full of crashing bores, and I’m one of them…”.

O disco não é tão mau como esta reacção poderá levar a acreditar, mas a minha desilusão continua enorme, apesar de haver quem ache que este é o melhor disco a solo de Morrissey. Por isso o melhor é não se limitarem à minha opinião, mas se estão impacientemente à espera deste disco é melhor ouvirem antes de comprarem... ( 2,5 / 5 )

Disco : Yeah Yeah Yeahs - Show Your Bones

Cá está o difícil segundo disco para o trio de Nova Iorque liderado pela inacreditável Karen O. A quem o 1º disco (Fever to Tell de 2003) passou despercebido, os YYY's fazem um rock simples e abrasivo com elementos de New Wave e Punk, e apenas com 3 instrumentos: bateria, guitarra e voz...

Como em tudo, este disco tem vantagens e desvantagens face ao seu antecessor: se por um lado os YYY's se mostram mais maduros e responsáveis, o que comprova uma necessária capacidade de evolução, por outro sinto falta daquelas faixas a abrir com a Karen a berrar a plenos pulmões...

Basicamente o som está mais New Wave e menos Punk, logo mais "dançável" (pensem em Franz Ferdinand e não em Chemical Brothers) e variado, mas menos orientado para a catarse dos demónios interiores dos elementos da banda (e dos nossos por arrasto). O resultado é que parece que os YYY's estão a crescer depressa demais, e que deveria haver qualquer coisa entre 2003 e 2006 que não viu a luz do dia... Isto para não pensar que venderam a alma a Jesus e que por isso agora querem ser bonzinhos e ganhar dinheiro.

De qualquer modo é um bom disco, com algumas faixas a chegar ao nível de brilhante (como o single de estreia Gold Lion) que não posso deixar de recomendar. ( 4 / 5 )

Disco : Émilie Simon - Végétal

Já tinha gostado muito dos albuns anteriores desta rapariga: o homónimo de 2003 que foi subtilmente considerado o 1º álbum de trip-hop francês pela imprensa desse pais, e a banda sonora do filme La Marche de l'empereur (A Marcha dos Pinguins na versão nacional) que apesar de não funcionar tão bem sem o filme (como quase todas as bandas sonoras), tinha ideias suficientemente originais para merecer escuta repetida, mas é com este Végétal, acabadinho de sair em terras francófonas, que Simon vem confirmar o hipotético lugar no meu podium dos artistas a seguir fanaticamente.

Filha de pai engenheiro de som e de mãe música, fez o conservatório e tocou um bocadinho de tudo (jazz, rock) até chegar à "Electrónica". Ou seja, facilmente se percebe que a pequena Émilie nasceu rodeada de música e para a música. E nota-se... este álbum está recheado de excelentes temas que são complexamente simples, ou seja, às primeiras audições parecem simples e delicados, mas com a repetição apresentam uma complexidade discreta mas impressionante. Recheado de ideias originais e inovadoras, como por exemplo a utilização do crepitar do fogo como elemento ritmico em Cendres, a electrónica utilizada torna-se praticamente orgânica, o que, junto ao facto de grande parte das letras falarem de plantas, justifica plenamente o título do disco. É um disco feito de contradições que consegue ser ao mesmo tempo muito moderno e muito clássico e juntar o romantismo a alguma frieza. Mas atenção que não é um disco imediato, só ao fim de algumas audições é que Végétal revela toda a sua beleza, merecendo assim uma abordagem paciente. Para mim já entrou directamente para a lista dos 5 melhores do ano...

Para não variar a edição por cá é muito pouco provável. Apesar de cerca de 1/3 ser cantado em inglês, os discos franceses raramente chegam fora dos países francofonos, em parte devido ao proteccionismo que fazem ao seu mercado musical... Mas pode ser que me venha a surpreender... Pelo sim pelo não encomendei a minha cópia directamente da origem. ( 4,5 / 5 )

16 março, 2006

Livro : Mygale (Thierry Jonquet)

Este pequeno livro (150 páginas) é um policial muito negro, que nos conta uma história de vingança doentia e muito bem planeada, através de três fios narrativos: Richard Lafargue é um cirurgião plástico reconhecido que tem uma relação muito estranha com a sua mulher Éve, a qual tranca todas as noites no seu quarto após lhe administrar uma dose de ópio; Vincent Moreau é um criminoso de segunda que se encontra escondido a curar um tiro que levou na perna na sequência de um assalto a um banco que correu mal e em que matou um polícia; uma terceira personagem é raptado e preso a uma parede com correntes...

Mygale está muito bem escrito e lê-se quase todo de seguida. Para um livro escrito em 1984 (já la vão mais de 20 anos) mantém-se estranhamente actual. De tal forma que Pedro Almodovar o vai transformar em filme (e é sem dúvida o realizador perfeito para o fazer)...

Quanto a edição nacional, já sabem como é, nem pó... Mas se o francês for uma dificuldade podem sempre recorrer à edição inglesa que dá pelo título de Tarantula.

14 março, 2006

Série : The IT Crowd


Criado por Graham Linehan (Father Ted), esta série de humor britânico é a primeira a dedicar-se a essas aberrações da natureza (e falo contra mim ;-) que são os informáticos! Peguem em dois sys admins totalmente cromos: Moss - o exemplo do informático socialmente inepto incapaz de proferir uma frase que não tenha a ver com computadores - e Roy - um Irlandês cuja higiene e estado de humor são sempre duvidosos e é viciado em comics, e imaginem-os a trabalhar na sub-sub-cave de uma empresa financeira. Depois imaginem a contratação de uma mulher (Jen), que impolou consideravelmente os seus conhecimentos de informática no CV, como chefe deles e coloquem-nos nas situações mais mirabulantes possível, e terão uma ideia do que esta série oferece.

Apesar de um pouco básica a todos os níveis (realização, interpretações e mesmo no humor), a série é completamente viciante e muito divertida. Consumi esta primeira série, acompanhado da minha Maria (que também é desta espécie), em duas sessões continuas de 3 episódios e rimos que nem uns animais... e ficámos com muita pena de não haver mais (por agora)...

Quanto a hipoteses de isto passar na nossa maravilhosa TV, estas parecem-me reduzidas. A compra de programas no Channel 4 não é muito comum, e acontecendo, o mais provável seria passar lá para as 2 da manhã... Mas não desesperem, porque existem outras possibilidades: o site oficial tem excertos que podem ver (os 2 primeiros episodios foram disponibilizados na integra antes de serem transmitidos); também podem ver ou fazer DL directo aqui; podem recorrer ao P2P; ou podem sempre importar o DVD de Inglaterra (sai em Outubro). Eu fico impacientemente à espera da 2ª série (desta feita com 8 episodios) já prometida para o início do próximo ano...

13 março, 2006

Livro : The People's Act of Love (James Meek)

Passado em Yazyk, uma pequena aldeia Siberiana em 1919, este livro apresenta de forma brilhante a realidade de um dos periodos mais conturbados da história Russa: a revolução. Em The People's Act of Love cruzam-se 4 personagens principais: Samarin um estudante feito prisioneiro politico que foge do campo de trabalho e se encontra na aldeia perseguido por um canibal (o Mohicano); o Tenente Mutz da legião Checa, cujo batalhão fica isolado a tomar conta do Expresso Trans-Siberiano após a queda do império Austro-Hungaro; Balashov, líder espiritual da seita de "Eunucos" que ocupa grande parte da aldeia; e Anna, uma mulher moderna dedicada à liberdade e às artes. Estas personagens cruzam-se e tem em comum sentirem e acreditarem no amor, apesar de nem todos o fazerem da mesma forma.

Muito bem escrito, Meek consegue-nos transportar com tremenda facilidade para esta época em que a morte nunca anda longe, e através das suas personagens faz-nos sentir a forma intensa como a vida era então vivida, levando-nos como é lógico a filosofar sobre o sentido da mesma. A forma fragmentada como nos conta esta história sem nunca entrar em pormenores desnecessários, nem em melodramatismos fáceis, deixa-nos quase totalmente "no escuro" em relação a todos os segredos que as personagens escondem, terminando com um fim satisfatório e pouco óbvio.

Long-listed para o Booker de 2005, é uma excelente surpresa que podem encontrar na FNARC na secção de livros importados. Para os menos aventureiros, pode ser que alguma editora nacional venha a pegar nisto...

06 março, 2006

Disco : A Naifa - 3 Minutos Antes de a Maré Encher

Devo começar por confessar que não gosto de fado, é genero que sempre me pareceu artificial e exagerado, e por isso sempre me deixou bastante distante. Talvez por esse motivo, aliado à falta de credibilidade que atribuía ao Luís Varatojo (ex-Peste & Sida e apresentador de televisão de fugida), o 1º álbum (Canções Subterrâneas de 2003) destes A Naifa passou-me completamente ao lado. Provavelmente o facto de não passar regularmente na rádio e na televisão também não deve ter ajudado... Por recomendação de um amigo meu, da última vez que fui à FNARC, meti os édefónes e pus-me a ouvir isto... e tive logo de o trazer comigo...

O som que A Naifa faz já foi apelidado de "fado alternativo" e "novo fado", mas para mim "trip fado" é uma definição mais próxima da realidade, dado juntar admiravelmente os ambientes soturnos do Trip Hop e do fado, o que faz imenso sentido, dado ambos os estilos terem forte ancoragem numa noção de tristeza e melancolia. Musicalmente a coisa é portanto impecável, com o tal do Varatojo a tocar muito bem e de forma pouco convencional a guitarra portuguesa, e o baixo de João Aguardela a "encher" o som. Mas é a voz de Mitó (Maria Antónia Mendes) que sobressaí do conjunto, com o espanto de versatilidade que vai de registos perto da declamação até ao fado mais tradicional.

Destaque ainda para os poemas, brilhantes em quase todos os temas e da autoria da nossa nova geração de poetas (Rui Lage, José Luís Peixoto, Adília Lopes, etc.), que deixam um travo amargo a desencanto, pontuado por vezes por algum cinísmo e ironia (principalmente no deliciosamente herege ).

Acho que foi a última vez que disse que não gosto de fado... Altamente recomendado apesar de uma ou outra faixa menos conseguida (Señoritas p. ex.)... Façam lá o favor de incentivar a produção de boa música Portuguesa e vão à loja comprar este CD... ( 4 / 5 )

04 março, 2006

Filme : Everything is Illuminated


Sendo a estreia na realização de Liev Schreiber (uma cara bastante conhecida de inúmeros papeis secundários), este Everything is Illuminated é a adaptação do romance de mesmo nome de Jonathan Safran Foer (editado pela Temas & Debates em 2004, mas entretanto aparentemente esgotado).

A história é (pelo menos parcialmente) autobiográfica e conta-nos como Safran Foer (Elijah Wood) colecionador obsessivo de pequenos objectos relacionados com a sua família, foi à Ucrânia procurar a mulher que salvou o seu avô de ser executado pelos nazis durante a 2ª guerra mundial. Para esse efeito contrata uma empresa especializada em procurar familiares desaparecidos, tomando assim contacto com Alex (Eugene Hutz - vocalista dos Gogol Bordello - por ventura a única banda de Punk Cigano à face da terra) e o seu inglês macarrónico que aparenta ter saído directamente de um dicionário, sem qualquer espécie de formação sobre a correcta utilização das palavras, bem como o seu avô, e o seu cão, que serão os seus guias nesta viajem.

O filme é de um humanismo extremo misturando de forma brilhante o humor com o drama. A realização surpreende de forma muito positiva, para um actor de 2ª linha, Schreiber sabe muito bem o que faz, e é particularmente notável a forma como transmite emoção através de grandes planos das suas personagens. As interpretações também são notáveis, excepção feita a Elijah Wood que é apenas bom, continuando a basear as suas demonstrações de sentimento nos seus olhos (aqui ainda mais ampliados pelos óculos estilo fundo de garrafa que podem ver na capa).

Para variar tenho boas notícias em relação a possibilidades de se ver este filme por cá, dado ter estreia prevista para dia 27 de Abril. Recomendo vivamente a aquisição de um bilhete (e mais 1/2 dúzia para ofereçer aos amigos)... ( 4 / 5 )

01 março, 2006

Disco : Dresden Dolls - Yes, Virginia

Os Dresden Dolls são Amanda Palmer e Brian Viglione. Ela destrói pianos e canta, ele parte baterias e faz mímica. Chamam à música que fazem "Cabaret Punk", o que me parece uma descrição bastante justa. Quando lançaram o seu 1º álbum homónimo em 2003 (antes já tinham um pequeno CD - A is for Accident - gravado ao vivo para venda nos concertos), tornaram-se a minha revelação do ano, teriam tido destaque na lista de discos se a houvesse na altura, e teriam ficado muito próximo de um 5/5 se não fosse uma faixa com que embirro chamada Jeep Song. As minhas expectativas quando "recebi" este advance do novo álbum eram portanto elevadíssimas...

... E não pude deixar de me sentir algo desiludido com as primeiras audições:
- Em termos imediatos apercebo-me que o som está menos Cabaret e mais Punk, ou seja, está mais vulgar do que anteriormente;
- Também a produção parece inferior ao 1º, a voz da Amanda está menos clara, e nota-se uma total ausência de efeitos, centrando-se num som praticamente "ao vivo";

No entanto com as audições posteriores fiquei completamente viciado no disco, não tendo conseguido ouvir mais nada durante duas semanas... De tal forma que até as minhas filhas já cantarolam as músicas à hora de jantar, o que quer dizer uma de duas coisas: ou o disco está feito para uma idade mental à volta dos 8/9 anos, ou na realidade está apenas mais acessível.

Resumindo, apesar de uma primeira impressão menos positiva, os Dresden Dolls continuam no bom caminho para o domínio do mundo, e podem contar com o meu dinheiro para quando o disco sair em 18 de Abril (ou quando raio chegar a Portugal) e para o hipotético concerto a realizar em Maio (estava previsto para o Santiago Alquimista, mas agora oiço falar em Famalicão)... Altamente recomendado ( 4 / 5 ).

Aproveito ainda para recomendar o DVD da banda, intitulado Paradise, que não sendo um prodígio da tecnologia (imagem fraquinha e som mediano), vale a pena sobretudo pela energia da apresentação ao vivo nele contida... e pela curiosidade do documentário de cerca de uma hora.